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Vida Devocional

Por: Rosane Faria

Entendamos, por “vida devocional”, o tempo que intencionalmente separamos para ler e estudar as Escrituras ou meditar nelas; uma resposta ao chamado pessoal para a oração. Significa dedicar tempo para crescer na amizade íntima e pessoal com Deus que tem início quando compreendemos que conhecê-lo e ser conhecido por ele é nossa prioridade absoluta.

Conhecer Deus envolve tanto a qualidade de nossa vida devocional quanto de nossa vida comunitária. Ambas são igualmente importantes e interdependentes. Uma não substitui a outra, e não prescinde da outra, mas se enriquecem mutuamente. A devoção pessoal resulta em encontro e comunhão na igreja, e a vida comunitária desperta o desejo de criar um espaço interior e pessoal diante de Deus.

Dom ou Disciplina?

Devoção é dom e graça, porque não há nada que possamos fazer para que Deus se relacione conosco. É unicamente fruto de seu amor que o leva a buscar o homem (1 Jo 4.19). Por outro lado, é disciplina, porque requer de nós disponibilidade para o encontro, prática exterior que o possibilite e prontidão para o aprendizado.

A graça é essencialmente “vida” que cresce e se movimenta, dando à alma capacidade de reagir dinamicamente aos dons de Deus, de mover-se em direção a ele, de amá-lo e conhecê-lo. É uma “potência” que opera na natureza humana, conquistando as zonas mais interiores do homem, dominando as tendências egoístas até que pertençamos a Deus por inteiro. Se essa graça, que é “potência viva”, deixar de mover-se e expandir-se, tomaremos o caminho inverso da atrofia e da morte.

Se nos relacionamos pouco com o Senhor, se oramos, lemos e meditamos pouco, nosso interior torna-se endurecido, e a alma, ressequida como terra sem chuva. Por isso, muitos de nós, mesmo tendo nascido de novo e recebido o Espírito Santo, permanecem estagnados na caminhada rumo à vida mais excelente, com um vago sentimento de insatisfação, um desejo indefinido por “coisas espirituais” e um estado de resignação e nostalgia que nos impede de andar mais rápida e prontamente no caminho do Espírito.

Contrário a isso, quanto mais nos aproximamos de Deus, mais queremos nos aproximar. Quanto mais oramos, mais queremos orar. Quanto mais experimentamos as graças e as delícias indeléveis do Espírito, mais queremos experimentar. Segundo o pensamento de Agostinho, “O homem é uma seta disparada para um universo (DEUS) cujo centro de gravidade exerce uma atração irresistível, e quanto mais se aproxima do centro, maior velocidade adquire”. Portanto, a atração por Deus tem proporção direta com a proximidade a ele.

Como propõe Inácio de Loyola, existe a lei do treinamento para tudo na vida – profissão, esportes, artes. Talvez, tenhamos capacidades atléticas adormecidas que, com treino, possam ser despertadas. Você conseguiria caminhar 30 km hoje? E com treino diário, isso seria possível? Assim também Deus colocou, no homem, uma capacidade de relacionamento com ele – porque nos fez à sua imagem e semelhança – e uma aspiração profunda e filial que nos faz suspirar pelo Pai (Rm 8.15; Gl 4.6).

Devoção é, portanto, uma graça recebida e uma disciplina a ser desenvolvida. Mesmo sendo graça e disciplina, é um processo lento e evolutivo como todas as experiências espirituais em nossa vida. É um aprendizado que dura a vida inteira. Não cabe num molde, mas é uma experiência pessoal, espontânea e transformadora.

Empecilhos à Devoção

A vida devocional não é antes, após ou além da vida cotidiana, mas só pode ser real se vivida no meio das dores e alegrias do aqui e agora.

Em nossa experiência, os dias são cheios de afazeres. Mesmo atarefados e ocupados, porém, sempre estamos atrasados ou em falta com algo que não fizemos, telefonemas que não demos, pessoas que não visitamos, tempo que não dispensamos para família e amigos. Apesar de atarefados, temos o sentimento persistente de que não cumprimos com todas as nossas obrigações.

Mais escravizantes que as ocupações são as preocupações. Uma inquietação constante, um sofrer antes, um ocupar nosso tempo antes. Grande parte do sofrimento tem ligação com essas preocupações.

As ocupações e preocupações enchem nossa vida interna e externamente, dificultando ou mesmo impedindo um espaço para Deus na vida diária. O sistema precisa que estejamos assim, pois são as ocupações e preocupações que o mantêm como é. A mídia, o consumo, a moda, as indústrias, tudo está relacionado a essa demanda criada e que, muitas vezes, é resultado de necessidades e expectativas falsas ou artificiais.

E, no fim de tudo, por mais que façamos ou nos preocupemos, somos inundados por um sentimento de não-realização. Jesus oferece uma solução para isso:Portanto não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas essas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas. Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.31-33).

Jesus propõe uma integralização do nosso eu. Não é uma questão, inicialmente, de mudar nosso ritmo, nossa atividade ou nossos contatos, mas de mudar o coração, as prioridades. Buscar o reino em primeiro lugar é também buscar uma vida no Espírito, e ter uma vida espiritual requer uma mudança de coração, que pode ocorrer por meio de um longo, suave, ou às vezes doloroso processo de transformação.

Muitas coisas concorrem para isso. Uma delas é a vida devocional. E um dos fatores que impedem a vida devocional é exatamente esse estado constante de ocupação e preocupação no qual nos encontramos, buscando, em primeiro lugar, todas estas coisas e deixando o reino de Deus em segundo plano.

Disciplinas

Já que vida devocional também é disciplina, devemos examinar algumas que são importantes ou necessárias para ajudar-nos nesse caminho de dedicar um tempo para Deus e conhecê-lo na intimidade. Foster ensina que, algumas vezes, consideramos as disciplinas escravizadoras, esforço próprio desnecessário, quando podem ser libertadoras, pois nos livram de hábitos ruins que adquirimos ao longo da vida. O perigo seria transformá-las em lei ou supor que, por conseguirmos cumpri-las, mereçamos mais bênçãos de Deus. Sabemos que tudo é graça, e que o maior esforço que fazemos não pode produzir nada de vida em nós. Enfatizamos que a disciplina na vida devocional é tão-somente uma resposta de gratidão e amor ao nosso Deus, que já providenciou tudo para nós e quer que desfrutemos disso.

1. Solidão – um Tempo e um Lugar

“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto, e ele, que está em secreto, te recompensará” (Mt 6.6).

Sem solidão, é impossível ter uma vida espiritual. Ela começa com um lugar e um tempo destinados apenas a Deus. É uma das disciplinas mais necessárias e também das mais difíceis. Muitas vezes, usamos os barulhos exteriores para nos proteger de barulhos interiores. Por isso, temos dificuldade de ficar sozinhos, pois, quando nos afastamos das distrações exteriores, as interiores se manifestam com toda a sua força. A solidão, ou solitude, deve ser nossa resposta à vida ocupada e preocupada.

Portanto, devemos planejar cuidadosamente nosso tempo de solidão. A duração vai depender de vários fatores como idade, comportamento, trabalho, estilo de vida e maturidade, mas não estaremos levando a vida espiritual a sério se não reservarmos algum tempo para estar a sós com Deus e ouvi-lo.

Talvez, tenhamos de escrever na agenda, colocar um despertador e aprender a dizer para amigos, família, clientes, pacientes, alunos, fregueses, esposas, namorados, filhos, passeios, filmes, novelas, noticiários: “Desculpe, mas, já tenho um compromisso inadiável nesse horário”.

Alguns têm certa relutância em marcar horários, pois acham que representa falta de espontaneidade, mas é certo que, se não estabelecermos como prioridade passar um tempo sozinhos com o Senhor, a maioria de nós não o fará. Se duas pessoas querem ser mais do que simples conhecidos, é preciso que concordem sobre a hora e o lugar em que possam se encontrar. Há bastante espaço para a espontaneidade em um relacionamento de compromisso e com horário marcado para estarem juntos. Pode haver horários extras juntos sem planejamento e pode haver espontaneidade nos horários regulares, mas, se não houver uma base de horário regular, comprometido, não haverá relacionamento.

A disciplina da solidão é uma das mais poderosas para se desenvolver uma vida de oração. No início, o tempo de solidão poderá ser um tempo em que seremos bombardeados por milhares de pensamentos e sentimentos que emergirão dos cantos mais escondidos de nossa mente, e nos parecerá que estamos perdendo tempo. Porém, aos poucos, se houver fidelidade, perceberemos que divagamos menos, e que nossa mente se deixa dominar mais facilmente pelo espírito.

2. Orar Não é Fácil

Se é difícil separar um tempo e um lugar para estar com Deus, essa é apenas metade da batalha. A outra metade é saber como passar um tempo aproveitável e estar realmente na presença de Deus.

Muitos esperam que a intimidade, a oração e a adoração venham naturalmente, mas a maioria das pessoas, mesmo que tenha uma vida renovada pelo Espírito, enfrenta dificuldades na vida devocional e não está satisfeita com seu progresso.

Dizer que orar é tão fácil quanto conversar com papai e mamãe pode prejudicar e desorientar aqueles que querem estabelecer um relacionamento mais profundo com Deus, desanimando-os quando percebem que, para eles, não é tão fácil assim. O progresso, às vezes, pode ser de uma lentidão enervante e frustrante, levando-os ao abandono de tal prática.

A todos, foi dada a capacidade, mas não da mesma maneira nem na mesma medida. A graça oferece um leque ilimitado de possibilidades desde o zero até o infinito. Não existe uma receita universal, mas um aprendizado de uma vida inteira. Uma relação pessoal de amizade com Deus não cabe num molde a ser reproduzido, e cada um encontrará o próprio ritmo, intensidade e modelo.

3. Paciência e Perseverança

O principal inimigo da vida devocional é a inconstância. Estamos acostumados com rapidez e eficiência, pagar e receber, trabalho e salário, esforço e recompensa. Entretanto, a relação com Deus está em outro nível, em outra órbita. É gratuidade pura. Não podemos traçar rotas alternativas.

Precisamos de paciência para aceitar que não existe necessariamente proporção entre esforço e resultado. Muitas vezes, “a conduta e as reações” do Senhor são desorientadoras, sem lógica humana. Pode acontecer de você separar uma tarde inteira num lugar bonito, agradável, cheio de paz e solidão, e esta se tornar uma tarde de aridez, dispersão e dificuldade de concentração. Ao contrário, você poderá estar, um dia, num ônibus abarrotado de gente barulhenta, e Deus visitá-lo, inundando-o com sua presença de modo que experimente um consolo, um poder e uma revelação do seu amor de forma inigualável. Quem pode questionar Deus e sua forma de agir?

Por isso, é preciso ter paciência. E paciência gera perseverança, que nos faz permanecer nessa busca por comunhão e intimidade mesmo quando parece que tudo está escuro e nada se vê.

Conclusão

Neste mundo de ocupações, preocupações e frustrações, Jesus nos oferece solução, nova vida, vida abundante, vida no Espírito, vida num outro reino onde os valores são diferentes e as riquezas, eternas. Para viver essa nova vida que nos é oferecida gratuitamente, é necessário um esforço que não vai além da nossa força. Requer que, em alguns momentos do dia, na presença do Senhor, ouçamos sua voz em meio aos nossos muitos interesses. Requer passos planejados de disciplina e maneiras práticas e nada românticas de buscar as coisas do reino em primeiro lugar. Se formos fiéis nesses passos, teremos cada vez mais fome e cada vez seremos levados a novas profundidades do reino e, enfim, descobriremos como e onde seremos cidadãos realizados.

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