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Última Palavra: Perdoar ou Não Perdoar?

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Por: Philip Yancey

Aos culpados, o perdão chega como graça maravilhosa. Aos ofendidos, perdoar pode soar como injustiça descabida. O senso moral da racionalidade faz a maioria das pessoas acharem que os culpados devem pagar suas dívidas. Quem perdoa é trouxa. Perdão é uma fraude.

Pense na história de Simon Wiesenthal, por exemplo, contada por ele mesmo na sua autobiografia, intitulada The Sunflower (O Girassol). Ele narra um pequeno incidente ocorrido durante a mais bem-sucedida campanha de “purificação étnica” do século passado, um incidente que explica bastante o que impeliu Wiesenthal a se tornar o principal caçador de nazistas e uma incansável voz pública contra os crimes do ódio.

Em 1944, Wiesenthal era um jovem prisioneiro polonês entre os nazistas. Ele tinha presenciado, indefeso, quando soldados nazistas assassinaram sua avó sobre a escadaria de sua casa e quando eles forçaram sua mãe a entrar em um vagão de carga abarrotado de mulheres judias idosas. Somados, oitenta e nove de seus parentes judeus morreriam nas mãos dos nazistas. O próprio Wiesenthal tentou cometer suicídio quando foi capturado.

Em um luminoso e ensolarado dia, quando o destacamento da prisão para onde Wiesenthal havia sido levado estava limpando o lixo de um hospital para feridos germânicos, uma enfermeira se aproximou dele. “Você é judeu?”, ela perguntou hesitante, e depois lhe fez sinal para que a acompanhasse. Apreensivo, Wiesenthal a seguiu por uma escadaria acima e depois por um corredor até que chegaram a um quarto escuro, cheio de mofo, onde um soldado solitário jazia enfaixado. Faixas de gaze branca envolviam o rosto do homem, com aberturas para a boca, o nariz e as orelhas.

A enfermeira desapareceu, fechando a porta atrás dela para deixar o jovem prisioneiro sozinho com a espectral figura. O homem ferido era um oficial da SS, e ele mandara chamar Wiesenthal para uma confissão de leito de morte. “Meu nome é Karl”, disse uma voz rouca que vinha de algum lugar de dentro das ataduras. “Preciso lhe contar a respeito desta coisa horrível — contar a você porque você é judeu.”

Karl começou sua história lembrando sua criação católica e a fé da infância, que havia perdido na Juventude Hitlerista. Mais tarde se oferecera como voluntário para a SS e servira com distinção, retornando apenas recentemente, muito ferido, do front russo.

Por três vezes, enquanto Karl tentava contar sua história, Wiesenthal se afastou para sair. Todas as vezes o oficial estendeu a mão branca, quase sem sangue, para agarrar o braço dele. Implorou-lhe que ouvisse o que tinha acabado de experimentar na Ucrânia.

Na cidade de Dnyepropetrovsk, a unidade de Karl tropeçou sobre armadilhas de minas abandonadas pelos russos em retirada, as quais mataram trinta dos seus soldados. Em um ato de vingança, os SS reuniram trezentos judeus, ajuntaram-nos em uma casa de três andares, espalharam gasolina e jogaram granadas nela. Karl e seus homens fizeram um círculo ao redor da casa, com as armas engatilhadas para atirar contra qualquer um que tentasse escapar.

“Os gritos que vinham da casa eram horríveis”, ele disse, revivendo a cena. “Vi um homem com uma criancinha nos braços. Suas roupas estavam em chamas. Ao lado havia uma mulher, sem dúvida a mãe da criança. Com a mão livre, o homem cobria os olhos da criança, depois ele pulou para a rua. Segundos depois a mãe o seguiu. Então, das outras janelas caíram corpos em chamas. Nós atiramos… Oh. Deus!”

O tempo todo Simon Wiesenthal ficou em silêncio, deixando o soldado germânico falar. Karl continuou descrevendo outras atrocidades, mas voltava sempre à cena do menino de cabelos negros e olhos escuros, caindo de um edifício, alvo dos tiros dos SS. “Estou abandonado aqui com a minha culpa”, ele concluiu finalmente:

Nas últimas horas de minha vida você está comigo. Eu não sei quem você é, apenas sei que é judeu, e isso basta.
Eu sei que o que lhe contei é terrível. Nas longas noites enquanto aguardo a morte, de novo e de novo tenho desejado conversar a respeito disso com um judeu e pedir perdão a ele. Apenas não sabia se havia ainda judeus com vida… Sei que o que estou pedindo é quase impossível para você, mas sem a sua resposta não posso morrer em paz.

Simon Wiesenthal, um arquiteto com vinte e poucos anos, agora um prisioneiro em um surrado uniforme com a Estrela de Davi amarela, sentiu o imenso fardo esmagador de sua raça sobre ele. Olhou pela janela para o pátio banhado de sol. Olhou para uma mosca verde zumbindo sobre o corpo do homem moribundo, atraída pelo cheiro.

“Finalmente, tomei uma resolução”, Wiesenthal escreve, “e sem uma palavra, deixei o recinto”.

The Sunflower tira o perdão da teoria e o lança no meio da história viva. O oficial da SS, Karl, morreu logo, sem o perdão de um judeu, mas Simon Wiesenthal viveu até ser libertado de um campo de extermínio pelas tropas americanas. A cena no hospital o perseguiu como um fantasma. Depois da guerra, Wiesenthal visitou a mãe do oficial em Stuttgart, esperando de alguma forma exorcizar da memória aquele dia. Em vez disso, a visita apenas tornou o oficial mais humano, pois a mãe falou com ternura da juventude piedosa de seu filho. Wiesenthal não teve coragem de lhe contar como ele havia terminado os seus dias.

Através dos anos, Wiesenthal perguntou a muitos rabinos e sacerdotes o que deveria ter feito. Finalmente, mais de vinte anos depois da guerra, ele escreveu a história e a enviou às mais iluminadas mentes éticas que conhecia: judeus, católicos, protestantes e pessoas sem religião. “O que você teria feito em meu lugar?”, perguntava.

Dos trinta e dois homens e mulheres que responderam, apenas seis disseram que Wiesenthal havia errado em não perdoar ao alemão. Muitas disseram que Wiesenthal estava certo: não poderia ter perdoado ao soldado da SS, porque não teria sido justo. Por que um homem que consentiu com a prática de um mal tão extraordinário poderia esperar uma rápida sentença de perdão no seu leito de morte? Que direito tinha Wiesenthal de perdoar ao homem o mal que cometera contra outros judeus? Se Wiesenthal tivesse perdoado ao soldado, ele estaria dizendo que o Holocausto não fora tão terrível assim. “Que o soldado alemão vá para o inferno”, respondeu uma das pessoas consultadas.

Muitos de nós nos sentimos da mesma maneira quando somos injustamente feridos, ainda que em graus muito menos horrendos. Às vezes, nosso ódio é o único ás que ainda temos na nossa mão. Nosso desdém é nossa única arma; nosso plano para acertar as contas, nossa única consolação. Por que deveríamos perdoar?

Que resposta o evangelho pode dar à injustiça do perdão? Só pode ser que perdoar é, apesar de tudo, o melhor caminho para justiça e eqüidade.

Vingança nunca zera a dívida, pois pessoas alienadas nunca calculam o valor das ofensas usando a mesma matemática. Inimigos nunca concordam sobre o saldo da dívida, porque cada um sente as feridas que recebe de modo totalmente diferente das feridas que desfere. Quantos bombardeios equivalem ao atentado suicida? Quantas desfeitas dela pagam o tapa que ele lhe deu no rosto? Não podemos desforrar as ofensas; eis a fatalidade inerente a toda vingança.

O ato de perdoar nos remove da escada rolante da vingança e permite que os dois lados interrompam a sempre crescente cadeia de ofensas. Começamos tudo de novo. Começamos outra vez como se o ofensor não nos tivesse ferido. Contudo, começamos de novo a fim de iniciar um relacionamento melhor e mais íntegro. Provavelmente tornaremos a falhar. Precisaremos perdoar novamente. A porta para a justiça fechará vez após vez. E o perdão continuará sendo a única maneira de abri-la novamente.

É justo ser acorrentado à dor do passado? É justo ser surrado vez após vez pela mesma ferida antiga e injusta? Vingança é ter um vídeo plantado em sua alma que não pode ser desligado. Repassa a cena dolorosa incessantemente dentro da sua mente. Você fica amarrado aos seus replays instantâneos. E cada vez que reprisa a cena, você sente a pontada da dor outra vez. Isso é justo?

Perdoar desliga o vídeo da memória da dor. Perdoar liberta você. Perdoar é a única maneira de interromper o ciclo de dor injusta que revira sem parar na sua memória.

Por que perdoar? Porque perdoar é o único caminho de volta para integridade e justiça. “Que o soldado alemão vá para o inferno” são palavras de uma pessoa condenada a sofrer vez após vez a injusta dor do passado. Para que fim?

Texto extraído do livro “Maravilhosa Graça”, Philip Yancey, páginas 133 a 116, Editora Vida, e do artigo “Forgiveness – The Power to Change the Past” (Perdão – o Poder para Mudar o Passado), de Lewis B. Smedes, publicado na revista “Christianity Today”, 7 de janeiro de 1983.

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