Compreenda e abrace o
caminho que Jesus trilhou

Série “Comunhão Nossa de Cada Dia”-Parte IV-De Solitário a Solidário

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Por: Pedro Arruda

No Velho Testamento, o ministério era exercido de forma solitária e com base no relacionamento pessoal entre Deus e o ministro. Um dos motivos para isso era o símile profético, no qual o comportamento do profeta representava o sentimento de Deus sobre a situação. Assim a solidão do profeta revelava a solidão de Deus com relação ao homem – que desde o pecado estava destituído da glória divina –, privando ambos da comunhão. Os ministérios típicos do Velho Testamento são os de profeta, sacerdote e rei, todos os quais tinham características absolutas, individuais e solitárias.

Já o Novo Testamento apresenta o ministério sendo exercido de maneira solidária, com base na comunhão. Após o sacrifício vicário de Cristo, Deus pôde, novamente, encontrar homens sem pecado na Terra, não por serem impecáveis, mas por serem remidos pelo sangue de Cristo e vistos por Deus, por meio da justiça de Jesus, como se nunca houvessem pecado. A estes, nascidos de novo, Deus concedeu que fossem habitados pelo Espírito Santo a fim de exercerem o ministério de forma coletiva e plural no contexto do corpo de Cristo. O tempo de isolar-se nas montanhas e nos desertos ficou para trás e deu lugar à coletividade. “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20), prometeu Jesus.

Comunhão na Igreja Primitiva

A experiência de comunidade, especialmente em Jerusalém, marcou a história de maneira tão forte que concorre com o paraíso perdido no imaginário popular. O anseio que alguns têm por reencontrar um lugar com as características edênicas é espelhado pelo sonho de outros de construir uma sociedade solidária nos moldes daquela comunidade primitiva. Para se chegar a essa conclusão, basta olhar a produção de muitos poetas e pensadores. Assim a comunidade de Jerusalém tornou-se um mito que desperta inexplicáveis saudades em pessoas que nem a conheceram pessoalmente.

Quatro características marcaram, de maneira especial, a perseverança daquela comunidade: (1) a doutrina dos apóstolos, (2) a comunhão, (3) o partir do pão e (4) as orações (At 2.42). Enquanto três delas são mais facilmente identificadas e compreendidas, o mesmo não ocorre com relação à comunhão por ser um elemento invisível e subjetivo. Mal compreendida, perdeu-se no transcorrer da história da igreja. Antes de falarmos sobre o que aconteceu com a comunhão, porém, voltemos a atenção à sua prática original naquela igreja nascente.

Jesus, preparando os discípulos para o ministério do Espírito Santo, ensinou-lhes que nada deveriam fazer sozinhos, de forma individual. Por isso enviava-os de dois em dois e costumava chamar Pedro, Tiago e João para o acompanharem em determinadas ocasiões importantes, como quando foi ao Monte da Transfiguração e ao Jardim das Oliveiras. Essa lição foi aprendida e praticada pelos apóstolos, como podemos notar no livro de Atos dos Apóstolos, na formação de diversas duplas de ministério: Pedro e João, Barnabé e Paulo, Paulo e Silas, Barnabé e Marcos, Paulo e Silvano. Além das duplas, podemos observar a grande e dinâmica equipe apostólica que acompanhava Paulo. Não se vê a prática do isolamento, com longos retiros e prolongados jejuns; separavam, ao invés disso, curtos períodos para busca espiritual e disciplina pessoal. O mesmo se pode notar na vida de Jesus, com exceção da quarentena no deserto que marcou o início de seu ministério público e o final da transição do Velho Testamento para o Novo.

Com a igreja, nasceu a reunião de oração. Nunca antes na história, registraram-se tantas reuniões de oração. A pregação nada tinha a ver com o ícone atual de alguém empunhando um microfone diante de uma platéia passiva, cuja participação máxima é reagir ao comando do pregador, repetindo chavões ou frases de efeito. Pelo contrário, o ensino era feito com base no diálogo comunitário, chamado “dialogizomai”, durante o qual todos tinham ouvido e voz para se expressar.

A assistência supria totalmente os necessitados da comunidade numa época em que não havia previdência social pública. Quer os bens fossem doados, quer continuassem como propriedade pessoal, os recursos não tinham caráter privado, mas comunitário; tudo pertencia ao reino de Deus (At 2.44).

Tais atos comunitários, que muitos sonham em ver restaurados, não eram sustentados pela boa vontade, conduta ética ou capacidade organizacional do homem. O que produzia e sustentava a comunidade era a comunhão. Atualmente, não são raras as tentativas de tentar-se obter a comunhão por meio de atos comunitários, o que inverte completamente a ordem de causa e efeito. A comunhão ocorre quando um encontra a vontade de Deus no outro, operada pelo Espírito Santo, e responde com a mesma vontade. Por isso a igreja primitiva podia proclamar: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At 15.28) quando era tomada alguma decisão importante.

Foi por causa da comunhão que Pedro pôde confrontar Ananias e Safira, afirmando que eles haviam mentido ao Espírito Santo e resultando, assim, na excomunhão (At 5.3). Esse foi um verdadeiro exemplo de excomunhão, mas tal acontecimento só pode ser visto no ambiente onde existe também a verdadeira comunhão. Hoje, quando se fala em excomunhão ou exclusão, não passa de um ato humano formal e burocrático, uma vez que não há do que ser excomungado se a verdadeira comunhão não está presente.

Comunhão Perdida na História

Ao longo da história, a comunhão foi reduzida a ações objetivas, bens materiais e ritos litúrgicos com seus elementos. Ora, esses são aspectos comunitários que estão para a comunhão assim como o corpo está para o espírito. Quando vemos uma pedra de gelo flutuando sobre a água, notamos que apenas 10% de seu volume está acima da superfície, enquanto a parte maior que a sustenta encontra-se submersa. Essa também é a relação entre comunhão e comunidade. A comunidade visível é apenas uma pequena manifestação da comunhão que a sustenta.

Quando a igreja iniciou sua trajetória decadente, não foram apenas os milagres, as curas e maravilhas que deixaram de se manifestar; na verdade, a comunhão foi a principal perda. Ainda no século 4, quando a igreja associou-se ao Estado romano, houve um movimento de discordância, que reagiu argumentando que tal vínculo indicava associação com o mundo. Assim nasceu o movimento monástico, cujos pais afastaram-se da igreja institucionalizada e concomitantemente do mundo ao se refugiarem no deserto. Na realidade, muito mais do que sair da igreja, eles estavam em busca de algo, ou seja, da comunhão perdida.

Com isso, estabeleceu-se uma dicotomia que deixava a verdadeira comunhão cada vez mais distante: os místicos, valorizando o aspecto vertical, procuravam relacionar-se com Deus às custas do aspecto horizontal com outras pessoas; já na igreja institucionalizada, privilegiava-se o relacionamento com o homem, porém em detrimento da vontade de Deus. Esse foi o ponto culminante de um processo de divisão que separou a vida em duas esferas: a profana e a sagrada. Antes disso, já ocorrera uma separação entre a igreja e a família e, depois, entre clérigos e leigos, criando, assim, uma nova instituição. Essa dicotomia está presente até hoje. Da mesma forma que a estratégia de Deus é a comunhão, a do Diabo é, guardadas as proporções e na mesma intensidade, a divisão.

A igreja perdeu a comunhão, levando homens de boa vontade a voltarem-se para o relacionamento individual com Deus, como nos tempos do Velho Testamento, dando origem a ministérios fortes e individuais. O que temos assistido ao longo da história, entretanto, é que tais ministérios, embora uma fonte de bênção, jamais conseguem suprir a lacuna de comunhão na igreja por manifestar tanto a força quanto a fraqueza humanas e rivalizar com a glória de Deus. Contudo o mais danoso é que, ao nos contentarmos com ministérios individuais, deixamos de compreender que o Novo Testamento trouxe o ministério solidário do Espírito Santo que é muito mais glorioso. O tempo do ministério solitário ficou para trás nos paradigmas do Velho Testamento. Hoje, nosso Deus clama por comunhão.

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