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Sementes escondidas na terra de ninguém

Como Jan Comenius criou a pedagogia moderna no meio do fogo cruzado entre fundamentalistas e secularistas

Por Eliasaf Assis

O filme mostra a terra devastada por granadas. O herói, perseguido pelo inimigo e também alvejado por alguns compatriotas, sobrevive entre as trincheiras. Depois da guerra, ele volta para procurar o vale onde ficava a Terra de Ninguém. Passeia os olhos cansados por uma paisagem inesperada: o campo, antes esburacado, floresce em exuberantes tons amarelos e azuis; nenhum sinal de lama e sangue rubro. As sementes das flores aguardaram escondidas por anos e então floresceram. Nada detém uma semente escondida.

Cristãos envolvidos em ambientes educativos também se veem em um tiroteio. De um lado, sofrem o preconceito de uma sociedade cada vez mais relativista que faz parecer que a fé é inimiga de uma educação autônoma. Há um esforço, por vezes oficial, de retirar qualquer alusão ao cristianismo do conteúdo educacional. Essa frente secularizante se expressa livremente em congressos, aulas e artigos. De acordo com ela, quanto menos cristianismo, melhores seriam a ciência e a sociedade. A fé atrapalharia o pensamento crítico e a liberdade individual. Uau! Como nos tempos de Nero, Roma arde em chamas. E adivinhe quem leva a culpa?

Respondendo a esse bombardeio, há uma exacerbação do fundamentalismo, seja católico, seja evangélico. Púlpitos vociferam questões da educação e da sociedade, extrapolando sua jurisdição e indo além do aprisco. Seus discursos alarmados não atingem apenas os secularistas, mas também cristãos equilibrados, pegos no fogo cruzado, inclusive o tal “fogo amigo”. Pois um traço dos fundamentalistas, em qualquer tempo e lugar, é a rejeição à reflexão e às objeções de consciência. E também o fratricídio.

Secularistas e fundamentalistas têm algo em comum: não compreendem a sociedade plural, especificamente o espaço educativo no qual tolerância é indispensável. E assim desprezam uma preciosa contribuição que a visão de mundo cristã nos legou. Pois a escola que sonhamos foi idealizada por um de nós.

Jan Amos Comenius (1592-1670) nasceu na Morávia, região da Boêmia, hoje República Tcheca. Aos 6 anos, órfão adotado por uma tia, foi para a escola, mantida pelos que seriam conhecidos como “Os Morávios”. Quantos sofrimentos estudantis o menino sofreu! As escolas eram truculentas e ineficientes. Ensino para todos, nem pensar. Aprendia-se por acidente, sem uma gestão pública da educação ou clareza no objetivo pedagógico, o que levaria Comenius a lapidar uma de suas frases mais famosas: “a escola é o abatedouro da mente”.

Após a universidade, ele voltou à escola de sua infância como reitor. Realizou profundas mudanças: materiais didáticos reformulados, desde enciclopédias a manuais de linguagem. Produziu livros ilustrados, algo inédito em seu tempo. As gráficas se esforçavam para imprimir algo tão sofisticado. Seu ensino era transversal e holístico. Ia desde o latim, língua científica internacional da época, até a apicultura, desconhecida por aquelas bandas. Amante da natureza, fazia longas caminhadas. Ensinava, por vezes, ao ar livre, sob um carvalho frondoso.

É por causa de Comenius que hoje podemos imaginar a escola como um lugar aconchegante para as crianças e a faculdade como um ambiente profundo e de críticas equilibradas para os adultos. A tradição diz que declinou um convite para o reitorado da Universidade de Harvard. Várias de suas obras (mais de 140 livros) foram traduzidas, sem que soubesse, para várias línguas europeias. Algumas, vertidas para árabe, turco, persa e mongol. Estadistas se encantavam com suas inovações. Princesas o recepcionavam com o latim que aprenderam em seus livros.

Comenius fez tudo isso em meio a uma guerra aberta entre católicos e protestantes. Seu país foi despedaçado. Seus livros, biblioteca e casa foram incendiados mais de uma vez. Perdeu esposa grávida e filha em uma peste. Sua voz está entre as poucas que clamavam por unidade e paz. Por grande parte da vida, foi um refugiado. Cruzou a Europa, ora fugindo, ora atendendo a convites. Inglaterra, Suécia, Países Baixos e Hungria; todos viam as possibilidades absolutamente originais que ele sugeriu: educação para todos, mesmo para os pobres e também para as mulheres – e adequada para as crianças. Sob sua orientação, em poucas gerações, a Suécia baniu o analfabetismo, totalmente.

Comenius experimentou o mesmo fogo cruzado que sofre o cristão contemporâneo. Críticos da religião, como Descartes, o depreciavam, tanto por sua espiritualidade quanto pelo ceticismo de que todos poderiam aprender. Fundamentalistas o perseguiam. Por fim, tendo influenciado muitos, morreu no exílio, na Holanda. Deixou-nos muitas sementes, algumas que podem brotar agora. Seleciono três, indispensáveis para cristãos modernos que queiram refletir e sobreviver nas instituições de ensino.

A escola continua sendo o abatedouro da mente. Então, equipar a criança intelectualmente é uma tarefa que os pais devem enfrentar. Discuta ideias com seu filho. Matricule-o em uma escola que o ensine a refletir. Investir em uma criança filosoficamente equivale a desenvolvê-la espiritualmente. E não adianta protegê-la demais. Ela deve crescer acompanhando argumentos de apologistas como C. S. Lewis, Francis Schaeffer ou Lee Strobel. Pois, mais cedo ou mais tarde, ela enfrentará um ambiente hostil à sua fé.

Essa vida é o útero que nos prepara para a vida vindoura. A meta da educação não é apenas a autonomia; menos ainda a formação religiosa. Antes, é o pleno desenvolvimento do indivíduo nesta vida, tendo em perspectiva a próxima. Quem não desenvolve seu potencial espiritual, cultural e filosófico, frustra-se nesta vida e corre o risco de ser um aborto eterno.

A unidade dos cristãos. Note quem critica a unidade: eles falam de posições confortáveis! Estão longe do front e alheios às reais pressões. Em prisões comunistas ou islâmicas, católicos e evangélicos oram, celebram a ceia e sofrem o martírio juntos. A igreja perseguida sobrevive porque é unida. As trincheiras de agora nos sugerem que façamos o mesmo. Só resistiremos em unidade.

5 MARCAS CRISTÃS NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Agostinho, teólogo e pensador do século 4, escreveu obras que seriam consideradas base da educação na Idade Média, Sobre o Mestre e Sobre a Doutrina Cristã, nas quais discorre sobre métodos de ensino e incentiva o estudo de história, lógica e ciências. Agostinho considerava o ensino um dos maiores atos de caridade.

Com a Reforma, surgiu a necessidade de que novos ministros do Evangelho fossem preparados. Foi por causa disso que as primeiras universidades foram fundadas na América. Um caso célebre é o do pastor congregacional inglês John Harvard, que, em 1636, financiou e fundou a Universidade Harvard, em Massachusetts, EUA.
Pioneiro da educação moderna, Johann Pestalozzi foi um anglicano que abandonou o desejo do sacerdócio e decidiu abrir sua casa para cuidar de crianças órfãs que viviam nas ruas e educá-las, em Stans, na Suíça.

Com o objetivo de mudar a trágica história de vida das crianças que perambulavam pelas ruas ou eram forçadas a trabalhar na Inglaterra, Robert Raikes iniciou a famosa Escola Bíblica Dominical. As escolas que funcionavam aos domingos usavam a Bíblia como conteúdo para alfabetização.
Foi uma missionária metodista chamada Mary F. Scranton que fundou, em 1886, na Coreia do Sul, a primeira escola para mulheres. Mesmo diante de uma cultura opressora à mulher, a instituição cresceu e hoje é uma das maiores universidades do mundo (Universidade de Mulheres Ewha).

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