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Satisfação Plena em Servir a Deus – Garantida ou Não?

Por Larry Crabb

A Verdadeira Batalha

Um amigo meu está agora no meio da batalha mais séria de sua vida – e neste momento está perdendo. O lado das trevas parece estar ganhando. Ele virou suas costas à sua esposa, aos seus filhos e ao ministério, a fim de continuar experimentando a satisfação que encontrou em seu relacionamento com outra mulher. A satisfação não é sexual. Se fosse, seria mais fácil para explicar e convencê-lo do erro.

Ele descreve sua experiência como alegria da alma; a profunda sensação de sentir-se vivo, conectado e querido. O intenso senso de preenchimento que está experimentando agora é algo que nunca desfrutou durante as décadas em que seguiu a Cristo, no máximo de sua capacidade e conhecimento, com seriedade e fervor. Na sua concepção atual, ele nasceu para experimentar esta alegria, o que lhe deixa apenas duas opções: perseguir a experiência e afastar-se daquilo que sempre entendeu como mandamento Bíblico ou voltar à comunidade cristã e desistir de qualquer esperança de ter profunda e genuína alegria nesta vida.

É assim que ele vê as coisas. Como eu deveria responder? Como deveria orar? Como deve responder a comunidade de família e amigos que o amam e não podem nem devem desistir dele? Como devemos orar?

Lembro de como, anos atrás, convenci a mim mesmo que o puro prazer de ir para casa ao encontro de minha esposa, sem ter assistido à pornografia na televisão do hotel, era suficiente para segurar-me no reto e estreito caminho. O argumento é tipicamente “cristão”: as alegrias sentidas através da obediência excedem aos prazeres que se possa experimentar no pecado. Ouvimos isso o tempo todo.

Mas isso só é verdade quando, como no meu caso, eu realmente gosto da minha esposa. Enquanto eu tiver bênçãos com as quais sinceramente me alegro, o caminho moral permite que eu continue desfrutando delas. Contudo, observe: essa alegria não é ter prazer em Deus. É apenas o prazer de desfrutar-se de bênçãos. Retire as bênçãos e deixe o homem com uma esposa em quem não tenha prazer, seja pelo conjunto de razões que for, e os prazeres do pecado podem exceder aos prazeres da santidade.

Um hino tradicional diz: “Há alegria em servir a Jesus”. E há. Mas se acharmos que uma experiência de satisfação na alma sempre acompanhará a obediência, e se esperarmos que o prazer experimentado ao fazer o certo excederá ao prazer que sentiríamos se nos entregássemos ao nosso pecado favorito, então não levará muito tempo até que o pecado nos pareça irresistível.

Eis a questão: se vivemos em função de experiências de prazer, se elevamos o desejo à posição central e não buscamos nada mais sublime que a sensação de satisfação, então não estamos mais vivendo por fé. Somos idólatras que adoram o desejo. Não estamos mais vivendo para Deus.

Concordo com Jonathan Edwards (teólogo e pregador norte-americano do século XVIII), quando afirma que não existe incompatibilidade entre nosso insaciável desejo por felicidade e o mandamento para adorar a Deus. Mas se Deus é apenas o meio e nossa felicidade é o alvo, logo somos pragmáticos obcecados com nossa própria pessoa, e não adoradores. Quando Deus é o alvo, e a obediência destinada a trazer prazer para ele torna-se o foco, no fim haverá uma plenitude de alegria que torna o pecado impensável, repelente e totalmente repugnante.

Entretanto, essa plenitude de alegria vem mais tarde, no céu. Nesta vida, é mais uma questão de esperança do que de alegria. A alegria que temos agora está ligada a comungar com o Filho em seu deleite no Pai, a comungar com o Pai em sua exaltação do Filho e a comungar com o Espírito em sua obsessão em ver o Pai e o Filho glorificados. É uma alegria que, apesar de real e cada vez maior, não estará completa até que estejamos literalmente na presença da Trindade, dançando eternamente em perfeito ritmo e inexprimível êxtase (veja Ef 3.19).

Nesta vida, agora, vivemos pela fé, e pela fé nos alegramos em Jesus, mesmo quando segui-lo implique em sofrimento. Claro que existem períodos de grande alegria e uma permanente sensação de que pertencemos à Pessoa mais maravilhosa do universo; de que o privilégio de conhecê-lo realmente excede a todas as outras bênçãos, quer o sintamos ou não; e que viver para ele é o nosso maior desejo. Porém, se o alvo da nossa vida for experimentar o máximo de satisfação prazerosa agora, só obedeceremos a Deus se isso resultar na continuação de suas bênçãos em nossa vida. Remova as bênçãos e viva com o objetivo de obter satisfação, ainda que seja dos mais nobres desejos humanos, e com o tempo descobrirá que está se afastando de Deus.

Uma heresia predominante na cultura evangélica hoje diz que viver para Jesus garante uma profundidade de satisfação da alma superior àquela encontrada no pecado. É essa heresia que impulsiona um pastor que conheço em seu ministério. Ele trabalha longas horas, estuda intensamente, é disciplinado em seus hábitos, é altamente respeitado e está colhendo frutos positivos de crescimento na sua igreja. Ele continua na vida “cristã” porque esta o faz sentir vivo e proporciona-lhe a agradável sensação de ser importante. O alvo de sua vida é satisfazer seus desejos, não viver para Deus. Por um conjunto de circunstâncias, o estilo de vida que identificamos como “cristã” oferece-lhe suficiente prazer para continuar. E assim ele prossegue, como um camundongo em uma esteira, sentindo uma fadiga que interpreta erroneamente como o preço do discipulado.

Basta que tenha suficiente honestidade para encarar o vazio em sua alma que todo peregrino consciente sente (a Bíblia chama isso de gemido) e, ao mesmo tempo, que continue acreditando na mentira de que servir a Jesus deveria remover esse vazio, e eis aí um pastor no ponto para ter um caso extraconjugal, ou para entrar em esgotamento ou, ainda, para recorrer a uma dose extra de legalismo. Satanás tem uma oportunidade de ouro para apresentar-lhe justamente aquela mulher que pode tornar-se sua alma gêmea (na verdade, sua “carne gêmea”), e a atração será para ele irresistível. Quando não é isso, o pastor poderá ficar desiludido e abandonar o ministério ou tornar-se mais rígido e isolado em seus relacionamentos, e mais intenso e exigente em seu papel como líder espiritual.

Temos procurado de toda maneira, nos círculos cristãos, convencer a nós mesmos de que, mesmo sem a perspectiva do céu, vale a pena viver a vida cristã. Mas não vale. A não ser que, como eu, você tenha sido abençoado com uma esposa de quem genuinamente goste, filhos que deleitam seu coração, um trabalho ou ministério que lhe proporcione tanto significado, como renda e boa saúde. Neste caso, fazer a coisa certa faz sentido, conquanto que as bênçãos continuem chegando. Por que abrir mão dos prazeres que você já tem? A vida cristã, dessa forma, torna-se pragmaticamente interessante.

Porém, se algo acontecer com as bênçãos, se apenas surgirem problemas suficientes a ponto de reduzir o prazer que se sente na vida cristã a um nível inferior ao prazer que viria se abandonasse os princípios de Deus, e pudesse fazer qualquer coisa que o fizesse se sentir vivo, de repente, praticar o errado vai parecer justificável, necessário, legítimo, razoável. O caminho errado vai parecer correto. Esse cenário já levou inúmeras pessoas ao divórcio.

A verdadeira batalha, na alma humana que conhece Jesus, não é encontrar uma maneira de sentir agora o que almejamos sentir nas profundezas de nosso ser, quer seja amor, significado ou a satisfação de viver uma vida outrocêntrica (o oposto de egocêntrica), no serviço de uma causa maior que a si mesmo. A verdadeira batalha é manter a fidelidade mesmo quando esta não traz nenhuma experiência imediata de prazer, mesmo quando não traz perspectiva alguma de sentir genuína alegria antes de chegar ao céu. É isso que significa viver pela fé. Esta é a mensagem de Hebreus 11. Esta é a pedra angular do evangelho, declarada pela primeira vez por Habacuque, quando citou as palavras de Deus: “O justo viverá pela fé” (Hc 2.4), posteriormente estabelecida por Paulo como o cerne da nossa jornada espiritual.

Meu amigo seguiu a Jesus por várias décadas. Mas, para ele, não “funcionou”. Ele esperava sentir uma suprema satisfação que faria com que resistir ao pecado fosse tão fácil quanto ignorar ração de cachorro e escolher carne de churrasco. Ele acreditou na heresia predominante da igreja evangélica de que a experiência de satisfação é para agora; que viver pela fé não adia a satisfação na esperança, mas traz satisfação na experiência. Ele descobriu que uma mulher com quem não poderia, dentro da vontade de Deus, experimentar plena alegria, proporcionava-lhe mais alegria de alma que qualquer experiência anterior em anos de fidelidade à vontade de Deus. Para ele, o chamado à obediência significava abrir mão da alegria e voltar a um cristianismo sem vida.

Nesta sua batalha, não o ajudou o ensino popular, mas errôneo, que é possível sentir-se tão vivo em Deus que o pecado perde seu apelo, e que buscar a experiência de sentir-se vivo é o legítimo foco da aventura espiritual. Esse ensino é mortal, ainda mais por estar tão próximo da verdade. Conhecer a Deus é vida. Mas viver para sentir-se vivo não é o mesmo que viver para conhecer e glorificar a Deus. Em última análise, a questão não é buscar uma experiência de suprema alegria em conhecer a Jesus. Isso vai acontecer depois. Pode até acontecer agora. Se acontecer, louve a Deus. No final das contas, a questão é fé: em que você acredita mais profundamente? Como, então, você deve viver? O céu está chegando. Somente diante desse fato é que faz sentido perseverar quando as bênçãos cessam, quando o vazio parece nunca acabar, quando a angústia da alma eclipsa até mesmo a esperança de alegria.

Combatendo Através da Oração

Se a verdadeira batalha é evitar a idolatria do desejo, se a verdadeira batalha é deixar que nossas escolhas sejam governadas por um desejo por Deus que, às vezes, nos deixa vazios e solitários, então, ainda que seja correto comemorar quaisquer que sejam as bênçãos que venham em nossa direção e desfrutar do prazer que nos proporcionam, nunca devemos depositar esse prazer no banco e emitir cheques dessa conta. Devemos, sim, esperar em Cristo quando a vida não faz sentido, quando o pecado é mais eficaz em aliviar nosso vazio do que o viver corretamente. Devemos emitir cheques da conta da fé. Nossa esperança deve estar fixada em Jesus e na esperança que sua presença traz, e não na satisfação de desejos nesta vida.

À medida que esse entendimento da batalha que se trava em mim e em meu irmão cresce pouco a pouco, eu devo orar. Devo engajar-me em oração de guerra, do tipo que é estimulado pelo reconhecimento de que a batalha espiritual é travada entre a exigência de sentir satisfação e a vida de fé.

Minha versão de oração de guerra é imaginar meu amigo na presença da Trindade e bisbilhotar a conversa deles. Não alego ouvir nem vozes audíveis nem mensagens infalíveis. Eu simplesmente reflito naquilo que conheço de Deus conforme revelado nas Escrituras – o amor incondicional do Pai, a expiatória graça do Filho, o terno ritmo do Espírito – e imagino o que eles estão dizendo ao meu amigo neste exato momento, e o que estão sentindo e pensando a seu respeito. Quaisquer que sejam as impressões que me venham à mente, eu registro, considero e tento colocar em palavras.

Eu oro por meu amigo, que está a ponto de jogar fora uma vida de fé em troca da experiência de desejo satisfeito. Não oro para que ele sinta mais alegria em seguir a Cristo do que em praticar o pecado. Oro para que experimente o anseio de conhecer a Deus que é mais forte que seu desejo por uma experiência presente de alegria e vida. Eu o imagino na presença da Trindade. Percebo a dor deles por ver que seu filho dá mais valor à experiência com uma mulher que não é sua esposa do que à esperança prometida por eles, a esperança que custou a morte de Jesus para lhe oferecer.

Eu passei umas horas numa visita contando-lhe o que ouvi. Ele me telefonou um dia depois; disse que estava terminando seu relacionamento com essa mulher. Suas palavras foram: “Eu só consigo explicar minha decisão como a operação de Deus através da oração. Parece terrível, mas de uma maneira muito estranha é isto que eu quero fazer”. Depois disso, porém, eu soube que ele reatou o relacionamento com sua “carne gêmea”.

Temo que a heresia continua viva em sua mente; que ele, talvez, ainda acredite que nossas escolhas devam ser determinadas pela alegria que nos trarão nesta vida. Será que ele pensa que se sentirá melhor depois de ter desistido da outra mulher? Que ele vai experimentar uma plenitude de alegria que ofusque totalmente o prazer que sentia com ela? E será que a outra mulher crê sinceramente que está entrando em um relacionamento com um homem forte, que derramará força e vida em sua alma? Eu não sei. Será que ele ainda desistirá dela? Ou voltará para ela quando descobrir que sua alma sentiu-se mais viva com ela do que quando seguia a Deus? Novamente, eu não sei.

Então, eu continuo orando. Oração é batalha.

Larry Crabb é psicoterapeuta há mais de 25 anos, conferencista, professor e autor de vários livros. Ele vive com sua esposa, Raquel, em Denver, estado do Colorado, EUA.

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A Cristo Crucificado

Não me move, meu Deus, para te amar
O céu que me tens prometido,
Nem me move o inferno tão temido
Para deixar por isso de te ofender

Tu me moves, Senhor, move-me o ver-te
Cravado numa cruz e escarnecido;
Move-me ver teu corpo tão ferido;
Movem-me tuas afrontas e a tua morte.

Move-me, por fim, o teu amor, e de tal maneira,
Que mesmo que não houvesse céu eu te amaria,
E mesmo que não houvesse inferno te temeria.

Não tens que me dar nada por eu te amar,
Pois mesmo o que espero não esperaria,
E te amaria como te amo hoje.

(soneto de autoria desconhecida, mas atribuído a alguns místicos espanhóis do séc. XVII como Teresa de Ávila, João da Cruz)

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