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Que Tipo de Consumação?

Por: Christopher Walker

Para ser boa, uma história precisa de algumas qualidades essenciais. Em primeiro lugar, é necessário ter uma boa abertura, algo que desperte o interesse já “de cara”, que faça os leitores (ou telespectadores) quererem seguir os personagens principais e descobrir o que acontecerá com eles. Precisa, também, de um bom enredo, com momentos de suspense, comédia, romance e ternura, entrelaçando os diversos elementos em uma história com sequência, coerência, objetivo.

Nada disso, porém, terá muito valor se faltar um bom final. Na verdade, é a parte mais importante da narrativa. No caso de histórias de suspense, o autor, geralmente, tenta criar um final inesperado. Quando é drama ou romance, o importante não é tanto o fator surpresa, mas a forma como o desfecho é alcançado. O caminho não pode ser muito fácil, sem obstáculos ou desafios. E, evidentemente, o bem precisa vencer o mal.

Quantos livros e filmes até chegam a empolgar e prender a atenção – só para deixar-nos desapontados com o final! Talvez, tenham até contado com um desfecho surpreendente, porém trágico ou desastroso. Outras vezes, pode ter sido por falta de emoção, sentimento ou senso de realização. Pior de tudo é quando não dá nem para entender o que aconteceu. Final inócuo, decepcionante ou triste traz a sensação de inutilidade, perda de tempo e frustração. Mesmo que tenha sido uma história maravilhosa – até pouco antes do final –, será classificada como um fracasso.

Infelizmente, muitas histórias humanas são assim – começam com entusiasmo, empolgação e foco, mas terminam sem senso de consumação, sem alcançar o objetivo. Entretanto, a história que Deus está escrevendo no fascinante drama contido na Bíblia não terá esse tipo de encerramento. Além de possuir todos os elementos de sucesso citados acima (e muito mais), não faltará um clímax adequado para finalizá-la. O interessante é que, mesmo a Bíblia tendo revelado, em linhas gerais, como será esse final, não se perdeu o elemento de suspense e surpresa tão essencial a uma boa narrativa.

Tanto isso é verdade que, ao longo dos séculos depois que o Novo Testamento foi escrito, os homens não se cansaram de especular, discutir e formular as mais diversas teorias sobre a consumação da história de Deus e a humanidade na Terra. Diversas linhas escatológicas surgiram, cada uma defendida por grandes e eminentes teólogos que tentaram mostrar, com base bíblica, como seria o fim (eschaton em grego, de onde vem escatologia). Inúmeros livros foram escritos sobre o assunto, palestras proferidas, debates realizados.

Sobre os detalhes dos acontecimentos finais, é perfeitamente normal que haja divergências; afinal, Deus não os revelou! Alguns fatos são proibidos, como a data da Segunda Vinda. Outros estão encobertos em mistério e serão revelados quando for necessário, conforme o anjo declarou a Daniel (12.4,9).

No meio de tantas divergências e incertezas, como podemos distinguir o que devemos saber do que precisa ser deixado para o momento certo? Depois de bastante reflexão sobre o assunto, encontrei uma premissa que pode servir como parâmetro geral: precisamos saber que tipo de consumação a história que Deus está escrevendo exige. Primeiro, precisamos encontrar nas Escrituras o final que Deus espera, que complete tudo aquilo que ele iniciou, e, depois, podemos avaliar se nossa escatologia está certa ou errada. Não precisamos conhecer os detalhes, mas entender o final e envolver-nos com o processo divino de preparação para ele. Afinal de contas, não estamos apenas assistindo aos acontecimentos; fomos chamados para ser protagonistas da história!

Antes de exemplificar essa premissa, quero lembrar dois princípios fundamentais dos caminhos de Deus.

1. Deus sempre termina o que começa. Ele deixou um espaço, durante toda a execução de seu plano na Terra, para que cada pessoa decida se quer cooperar ou não com seus propósitos, mas não existe a possibilidade de ele não concluir satisfatoriamente o que iniciou. Veja este texto de Isaías: “… eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade (Is 46.9,10, ênfase acrescentada).

2. Deus realiza todos os seus propósitos na Terra em parceria com o homem. Há pelo menos duas razões para esse jeito muito mais complicado e difícil que Deus escolheu para fazer as coisas: 1) por ter dado ao homem autoridade sobre a Terra (Gn 1.26-30; Sl 115.16) e 2) por querer desenvolver um relacionamento de amor e comunhão com ele.

UMA HISTÓRIA DO REINO DE DEUS

Geralmente, dizemos que o Velho Testamento conta a história da nação de Israel, enquanto o Novo Testamento fala sobre a Igreja. Israel era a expressão do reino natural, em contraste com a Igreja que revela o reino espiritual.

Embora existam, de fato, diferenças relevantes entre essas duas épocas ou dispensações, quando pensamos sobre o plano de Deus como um todo, é mais importante ver a unidade e continuidade entre elas.

Nesse caso, o termo mais correto para resumir o propósito divino na Bíblia inteira é Reino de Deus. Encontramos essa expressão (ou Reino dos céus em Mateus) pela primeira vez na abertura da Nova Aliança, nas pregações de João Batista e Jesus. Como gentios, podemos ter a impressão de que eles estavam introduzindo algo completamente novo. Seus ouvintes, porém, sabiam muito bem o que significava o Reino. Tanto é que nem João nem Jesus tentaram defini-lo.

De fato, se você voltar para o Velho Testamento, encontrará o conceito de reino, de forma implícita, por toda parte desde o início. Em Gênesis 1.28, você pode observar que Deus pretendia que o homem fosse seu representante na Terra para sujeitá-la e trazê-la sob seu domínio (governo, reinado). Depois do pecado e do dilúvio, começando com Abraão, Deus iniciou uma jornada de muitos séculos para formar um povo, conduzi-lo a uma terra prometida e estabelecer um reino. Durante longos anos, com muita paciência, mostrou a esse povo a diferença entre reino humano e reino divino. Mesmo quando eles optaram pelo reino humano, Deus insistiu, por meio dos profetas, que um dia traria um reino permanente, perfeito, com justiça e santidade, que transformaria toda a Terra e a encheria com a glória de Deus (por exemplo, Is 11.1-10).

Quando Jesus anunciou a chegada do Reino, portanto, os judeus tinham condições de entender o significado profético e escatológico do que ele estava dizendo. Mesmo assim, não foi fácil para eles interpretarem o que de fato aconteceu, porque Jesus não trouxe o reino visível, com o trono de Davi, que estavam esperando. E, a partir desse paradoxo, estudiosos de todas as gerações têm discutido o significado presente e futuro do Reino de Deus, envolvendo as seguintes perguntas:

O reino que Jesus introduziu era o mesmo reino prometido pelos profetas do Velho Testamento?

Quando Israel, representado pelos líderes religiosos, rejeitou a mensagem de Jesus, que implicações isso trouxe para sua nação e para os seguidores de Jesus?

• Que relação tem a Igreja do Novo Testamento com a nação de Israel e com o Reino de Deus?

Para entender que tipo de final cabe na história do Reino, precisamos responder tais questões. A discussão sobre elas já encheu muitos livros, mas vou colocar minhas conclusões num esboço simples, a seguir.

  1. O reino que Jesus anunciou era o mesmo reino que fora prometido à nação de Israel, desde os patriarcas, passando por Moisés, Davi e todos os profetas. No anúncio do anjo a Maria (Lc 1.32,33), Deus deixou claro que estava enviando seu Filho Jesus para cumprir as promessas a Israel, inclusive a do descendente de Davi que sentaria no seu trono para sempre. Jesus deixou isso claro também ao dizer que viera para as ovelhas perdidas de Israel (Mt 15.24), e que seus discípulos sentariam em tronos julgando as doze tribos de Israel (Mt 19.28; Lc 22.30). Quando iniciou seu ministério público, levantou-se na sinagoga e anunciou que a profecia de Isaías 61 estava cumprindo-se diante deles (Lc 4.16-21). Em outras palavras, Jesus não veio para começar algo distinto, no sentido de ser outro reino, outro plano, outro povo. Ele veio para dar sequência, continuidade, cumprimento àquilo que Deus já iniciara com o povo de Israel.
  2. Uma nova dimensão do Reino. Em Mateus 11, ao falar sobre o ministério de João Batista, Jesus explicou que havia uma diferença importante entre os dois. Até João Batista, o maior dos profetas e de todos os nascidos de mulher (por ter anunciado pessoalmente o Messias), haviam vigorado a lei e os profetas. A partir de Jesus, o Reino esperado já estava presente e, por isso, o menor no Reino era maior do que João Batista (Mt 11.11). Portanto, apesar da continuação, houve também mudança. Um novo dia havia chegado, e o Reino fora inaugurado de uma forma que os judeus não esperavam.
  3. O remanescente. Quem aceitou Jesus e sua mensagem passou a constituir, a partir daquele momento, o remanescente, a verdadeira nação de Israel.Esse tipo de transição não era novidade em certo sentido. Deus sempre quis um povo para formar uma nação, mas houve vários processos de provação, julgamento e peneiração durante a história. Somente aqueles que permaneciam fiéis é que faziam parte de Israel do ponto de vista de Deus. Assim, no tempo de Jesus, os doze discípulos, simbolizando as doze tribos, representavam a verdadeira nação de Israel, aqueles que aceitaram e receberam o Messias. O reino não seria mais dos escribas, sacerdotes e líderes religiosos (Mt 21.43); seria dos pobres de espírito, mansos, perseguidos e famintos, os que aceitaram a mensagem de Jesus e o acompanharam nas tribulações (Lc 12.32; 22.28-30).
  4. Judeus e gentios. A Igreja, o povo de Deus como continuação de Israel na Nova Aliança, era formada pelo remanescente dos judeus que aceitaram Jesus como Messias, mas foi aberta para os gentios também. O livro de Atos conta como os primeiros cristãos, incluindo o apóstolo Pedro, tiveram dificuldades no início para aceitar a inclusão dos gentios. Foi o apóstolo Paulo que abriu o mistério e mostrou que os gentios passaram a fazer parte do mesmo povo, da mesma comunidade da promessa (Ef 2.11-16; 3.5,6). Em Cristo, fazem parte de um novo homem, sem separação entre judeus e gentios. Portanto, não pode haver dois planos ou dois povos distintos; é um só povo, um só propósito.
  5. Só gentios. Apesar da abertura inicial e da convivência no mesmo Corpo entre os dois povos, a situação não continuou assim por muito tempo. Com a expansão do evangelho para outras nações, o número de gentios cresceu e a proporção de judeus ficou cada vez menor.A partir do segundo século, por causa de vários fatores, a Igreja começou a assumir posições antagônicas em relação aos judeus que não reconheciam Jesus e a rejeitá-los. Isso tornava a conversão deles mais e mais difícil. Paulo já sabia, por revelação, que isso iria acontecer. Em Romanos 11, ele mostra que os judeus seriam cortados, como galhos infrutíferos da oliveira, para dar lugar aos gentios. O que deveria ser uma nação no Espírito, formada por judeus e gentios, acabou tornando-se uma nação de gentios, enxertados, sim, no mesmo tronco, com as mesmas raízes dos patriarcas e do povo de Deus do Velho Testamento, mas agora sem muita presença ou participação dos judeus (Rm 11.11-18). Esse quadro continuou durante muitos séculos, com capítulos extremamente trágicos em que cristãos perseguiam e matavam os judeus (nas Cruzadas, Inquisição, pelos Reformadores, no Holocausto, etc.).
  6. Judeus e gentios juntos outra vez. Mas ainda não chegamos ao final da história. Paulo também revela em Romanos 11 que haverá uma plenitude dos gentios (v. 25) que gerará um quebrantamento nos judeus (quando terminar o seu endurecimento “em parte”). Nesse ponto, os galhos que anteriormente foram cortados (os judeus) serão enxertados de volta para o tronco único do povo de Deus, trazendo, finalmente, uma plenitude dos judeus que resultará em bênção maior ainda para os gentios do que quando foram removidos (v. 12). Em nenhuma parte do processo, há dois propósitos paralelos para os dois povos. Deus sempre teve um povo, um plano, uma oliveira, um tronco. Jesus também falou do tempo dos gentios (Lc 21.24) que se encerraria pouco antes de sua vinda. Mas agora não seria mais para revezar entre judeus e gentios, mas para ajuntar os dois em um só povo, o verdadeiro Israel, formando um só reino, o Reino de Deus (Rm 11.26).

Como o entendimento desse “enredo” afeta a escatologia? De muitas maneiras, mas vou citar apenas duas:

  1. Ao ler textos como Mateus 24.22,31 (“… mas por causa dos escolhidos tais dias serão abreviados”), Daniel 7.21-25 (“… e eis que este chifre fazia guerra contra os santos”) ou Apocalipse 13.7 (“Foi-lhe dado também que pelejasse contra os santos…”), não posso interpretar escolhidos, santos ou eleitos como o povo de Israel, distinto da Igreja; Deus sempre teve um só povo, e o objetivo dele é incluir pessoas de todas as raças, tribos, povos e nações nele. Não temos nenhuma base sólida para dizer que esses santos ou escolhidos não representem a Igreja; pelo contrário, tudo indica que são o povo de Deus que estará aqui na Terra durante a tribulação.
  2. Deus começou seu plano com uma base na Terra, porque seu desejo é realmente morar na Terra. No Velho Testamento, trabalhou com um povo natural e um reino natural. Na Nova Aliança, mudou o foco para a transformação interior e o cumprimento da lei no coração, para mostrar que o exterior não poderá vir sem a habitação do Espírito dentro do homem. Porém, ele não esqueceu nem abandonou seu propósito inicial, que não pode ser alcançado pela Igreja sem o retorno dos judeus e a contribuição deles, assim como Israel não pôde chegar à consumação sem os gentios. Por isso, Deus preparou um grande final que inclui tanto o reino natural quanto o espiritual, a Igreja e Israel, tudo em um só Reino.

Uma escatologia, para ser bíblica e coesa com os propósitos divinos, precisa incluir o resgate total do alvo de Deus para a Terra, o cumprimento das promessas a Abraão e todos os patriarcas, líderes e profetas de Israel, e a consumação do reino espiritual que foi inaugurado na Igreja. Deus não vai deixar nada do que iniciou sem uma conclusão adequada e coerente com sua intenção original.

Outro fator que precisa entrar na equação é a participação e parceria do homem no plano divino. Embora os dois eventos mais marcantes e definitivos em toda essa história sejam a Primeira e a Segunda Vinda de Jesus, há aspectos que dependem do homem. Deus esperou quatro milênios para enviar Jesus pela primeira vez, e só o enviou quando a plenitude dos tempos havia chegado (Gl 4.4). Agora, já se passaram mais dois milênios, sendo que, de acordo com as Escrituras (Hb 10.12,13), Jesus está assentado à destra de Deus aguardando que algo aconteça.

Agora, tente ajuntar todos esses fatores e produzir um grande final que glorifique a Deus e não seja incompatível com sua natureza ou pensamento! Você acha que é fácil? Você acha que não haverá uma porção de surpresas no desenrolar dos acontecimentos finais? Você não sente ansiedade, suspense, pressa para ver como Deus vai resolver todos os impasses e obstáculos? Você não acha que essa história merece um final do tamanho e da complexidade do Deus que tudo planejou, iniciou e desenvolveu de acordo com sua maravilhosa, sábia e boa vontade?

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