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História da Igreja – Parte 5 – Um Tesouro Divino em Vasos de Barro

Raízes – Lições da História da Igreja Para os Nossos Dias
Um Tesouro Divino em Vasos de Barro

“Deus escreve reto em linhas tortas.” Raramente um provérbio popular descreve tão bem uma verdade quanto este descreve o processo que Deus usou para produzir o Novo Testamento. Se é admirável que Deus tenha usado seres humanos falhos e imperfeitos para escrever as palavras inspiradas do Novo Testamento também é surpreendente como Ele pôde supervisionar, aparentemente à distância, no meio da confusão e carnalidade existentes no meio dos bispos e igrejas dos primeiros séculos da era cristã, a escolha de quais livros deveriam ser incluídos no cânon e quais excluídos.

A Bíblia não apenas conta a história da ação divina no mundo. É também um livro divino que tem uma história própria, às vezes violenta e controversa. O fato de Deus ter usado métodos e pessoas tão limitadas para produzi-la e preservá-la, atesta muito mais à genialidade de Deus do que se Ele tivesse usado anjos ou algum outro meio sobrenatural.

Jesus sabia escrever (Jo 8.6) mas era um mestre, não um escritor e deixou para outros a tarefa de registrar por escrito os seus ensinamentos. Mas a capacidade de ler e escrever fluentemente era bastante comum no meio de Israel naquele tempo, quase tanto quanto a capacidade de memorizar textos longos e complicados. Em outras palavras, Jesus podia confiar que entre seus seguidores havia muitas pessoas capazes de não somente memorizar suas palavras mas também de escrevê-las.

Além disso, Jesus e as pessoas ao seu redor conheciam mais de uma língua. O aramaico era usado na vida cotidiana e o hebraico na vida religiosa, especialmente na adoração e na leitura das Escrituras. Também conheciam o grego que era a língua usada no império romano oriental.

Taquigrafia era conhecida em Israel antigo e Mateus, o ex-publicano, com certeza a dominava, pois teria sido necessário para o exercício de sua profissão. Portanto, é inteiramente plausível que Mateus, e possivelmente outros, tenham feito anotações dos ensinamentos de Jesus, que depois serviram como base para os evangelhos. Quando Lucas iniciou seu evangelho, ele mesmo afirmou que “muitos tinham empreendido fazer uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram” (Lc 1.1).

As primeiras Escrituras sobre as quais a igreja apostólica se baseava eram “a Lei e os Profetas”, as mesmas que os judeus haviam usado nas sinagogas por séculos e que hoje chamamos de “Velho Testamento”. Como o próprio Jesus as considerava como a Palavra definitiva de Deus (Mt 5.17,18; Jo 10.35; Lc 24.27,44,45), seus seguidores naturalmente também assim as consideravam.

Mas como os cristãos deveriam interpretar e aplicar estas Escrituras às suas vidas? Em que aspecto os cristãos eram diferentes dos judeus que também as reverenciavam? A resposta está na pessoa e nos ensinamentos de Jesus, que os cristãos criam ser o Messias prometido pela Lei e pelos Profetas muitos séculos antes de sua vinda. Portanto, nas reuniões da igreja apostólica, além da leitura e explicação dos textos da Lei e dos Profetas, havia leituras e citações, de memória, dos atos e ensinos de Jesus. Foi neste contexto que surgiram as múltiplas versões dos evangelhos, que no fim foram reduzidos aos quatro contidos atualmente em nosso Novo Testamento.

Além disso, havia os discursos explicativos de Pedro no dia de Pentecoste, de Estêvão diante dos seus acusadores e de Paulo em vários lugares e ocasiões nas sinagogas dos judeus. Estes discursos interpretavam as Escrituras antigas à luz da revelação nova que Jesus trouxera e foram registrados por Lucas no livro de Atos. Depois, à medida que necessidades foram surgindo nas igrejas, os apóstolos escreviam cartas e estas cartas foram ajuntadas em coleções para serem lidas, não apenas nas igrejas a quem haviam sido originalmente endereçadas, mas nas outras igrejas também.

Há indicações no próprio Novo Testamento de que, ainda nos dias dos apóstolos e sob a supervisão deles, começaram a ser feitas coleções dos seus escritos para as igrejas, os quais eram postos ao lado do Antigo Testamento como inspirada Palavra de Deus (2 Pe 3.15,16). Até que ponto os apóstolos percebiam que seus escritos se tornariam parte da Palavra de Deus escrita, nos séculos futuros, não sabemos. Provavelmente, por crerem na iminência da volta de Cristo, nem sonhavam na formação de um “Novo Testamento”. Escreveram muitas cartas atendendo a necessidades imediatas, mal sabendo qual seria o destino final delas. Mas Deus superintendeu a tudo e a seu próprio modo escolheu os escritos que seriam preservados.

(O termo “Novo Testamento” aparece pela primeira vez no escrito de um autor desconhecido, cerca do ano 193 e depois foi usado por Tertuliano de Cartago (160-220)).

Os livros do Antigo Testamento surgiram no âmbito de um país pequeno; os do Novo Testamento em países muito separados um do outro. A Palestina, a Ásia Menor, a Grécia e Roma ficavam distantes uma da outra. O mundo de então não tinha estradas de ferro, nem aviões, nem rádio, como o de hoje. As viagens e as comunicações se faziam devagar e eram perigosas. Uma viagem que hoje se faz em poucas horas, naquele tempo exigia meses ou anos. Não havia imprensa, as cópias feitas à mão eram vagarosas e bem trabalhosas. Além disso, a época era de perseguições quando os preciosos escritos cristãos tinham de se conservar escondidos. Não havia concílios ou conferências, onde cristãos de lugares distantes pudessem se reunir e comparar notas a respeito dos escritos que tinham, o que só aconteceu nos dias de Constantino. De modo que, naturalmente, as primeiras coleções de livros do Novo Testamento teriam de variar, em diferentes regiões, sendo vagaroso o processo de se chegar à unanimidade quanto a que livros pertenciam de fato ao Novo Testamento.

A palavra “cânon” vem do grego “kanon”, que significa “uma vara de medir” ou “uma régua”.

Os primeiros pais da Igreja usavam esta palavra para se referir aos primeiros escritos apostólicos, que, por si mesmos, poderiam ser esta “vara de medir” ou “régua”, pela qual se avaliaria todas as outras revelações e escritos. Além dos livros “canônicos” do Novo Testamento havia muitos outros, tanto bons como fraudulentos; alguns tão bons e tão valiosos que por um pouco, em algumas partes, foram havidos como Escrituras.

Eusébio, 264-340, bispo de Cesaréia, historiador da Igreja, viveu e foi preso durante a perseguição de Diocleciano contra os cristãos, a qual foi o último esforço de Roma para varrer o cristianismo da terra. Ele viveu até o reinado de Constantino e veio a ser o seu principal conselheiro religioso. Um dos primeiros atos de Constantino foi mandar preparar, sob a direção de Eusébio e a cargo de hábeis copistas, cinqüenta bíblias, para as igrejas de Constantinopla. Numa investigação ampla, Eusébio procurou informar-se quais livros haviam sido aceitos geralmente pelas igrejas.

Na História da Igreja, de sua autoria, ele fala de quatro classes de livros: 1) os aceitos universalmente; 2) os “discutidos”: Filemom, Hebreus, Tiago, 2 Pedro, Judas, 2 e 3 João e Apocalipse, os quais eram postos em dúvida por alguns. Nas regiões em que primeiro apareceram não foram duvidosos, mas, como explicamos acima, as condições da época impediram que, durante certo tempo, se tornassem largamente conhecidos, e como circulavam muitos outros livros espúrios, as igrejas demoraram a aceitá-los; 3) os livros “espúrios”, entre os quais os “Atos de Paulo”, o “Pastor de Hermas”, o “Apocalipse de Pedro”, a “Epístola de Barnabé” e o “Didaquê” (alguns desses faziam parte de algumas coleções do Novo Testamento aceitas em algumas regiões por algum tempo e, mesmo sendo rejeitados depois por não serem de origem reconhecidamente apostólica, continuaram sendo indicados como leitura edificante para os cristãos); 4) os “inventados pelos hereges”: “Evangelho de Pedro”, “Evangelho de Tome”, “Evangelho de Matias”, “Atos de André” e “Atos de João”.

Foi em 367 que Atanásio, bispo de Alexandria, usou sua carta anual da Páscoa, dirigida a todas as igrejas e mosteiros sob sua jurisdição, para definir o que era, a seu ver, o cânon do Novo Testamento, e incluiu os 27 livros que temos atualmente. Apesar de décadas depois ainda existirem listas diferentes, no fim a lista de Atanásio veio a ser aceita como definitiva e isto foi ratificado formalmente pelo Concilio de Cartago em 397.

A formação do cânon foi, portanto, essencialmente, um processo de seleção de alguns documentos entre uma grande quantidade existente na época e esta seleção não foi feita originalmente por um concilio ou por um indivíduo, mas pela força do consenso da opinião cristã em geral. O critério básico que regeu este processo era que os livros aceitos como canônicos fossem reconhecidamente escritos por um apóstolo, ou por um discípulo imediato de um apóstolo, representando, assim, ensino apostólico.

CONCLUSÃO

Por um lado, vemos que a definição do cânon do Novo Testamento está intimamente ligada à formação da Igreja Católica. Juntamente com a formulação dos credos e o estabelecimento de uma organização mais rígida, a definição do cânon visava combater as heresias do Gnosticismo, de Marcião e dos Montanistas e estabelecer os limites e as bases da igreja “certa” (católica, ortodoxa). Vemos, portanto, que isso fez parte da formação desta monstruosa deturpação dos ensinos de Jesus que foi a igreja institucional durante a história e até hoje.

Por outro lado, jamais podemos apreciar suficientemente o valor do Novo Testamento em contraste com todos os outros documentos contemporâneos que poderiam ter sido incluídos. Onde estaríamos sem este ponto de referência, este “cânon” maravilhoso? Toda reforma, restauração e reavivamento da igreja durante os séculos deve sua base, sua origem, às sementes miraculosas contidas nesta coleção divinamente humana. E toda heresia, seita, engano e desvio começa por mexer com este alicerce santo, acrescentando ou excluindo alguma coisa. Estudando a história deste livro, só podemos sacudir nossas cabeças em santa admiração e confessar que os caminhos de Deus são deveras misteriosos. Ele realmente “escreve reto em linhas tortas”!

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” ENTRE ASPAS “

“Qualquer pessoa pasmada pelo horror do seu próprio pecado que crucificou Jesus, não se espantará mais nem com os piores pecados de um irmão”
Richard Foster

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