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História da Igreja – Parte 4 – Enfrentando os Perigos Internos

Raízes – Lições da História da Igreja Para os Nossos Dias
Enfrentando os Perigos Internos

Vimos no último número que a igreja dos primeiros séculos, a igreja sofredora e perseguida, não vivia somente em função da perseguição, mas tinha também espaço para apresentar uma vida alternativa para a sociedade em que vivia.

A partir de Constantino, no quarto século, quando o cristianismo recebeu reconhecimento, liberdade, e logo posição de religião oficial no Império Romano, muitas mudanças drásticas aconteceram na igreja. Além da institucionalização, os grandes conflitos teológicos também ganharam espaço, porque havia tempo e liberdade para discuti-los. E com isso começaram as grandes divisões na igreja.

Mas durante os primeiros duzentos e cinqüenta anos da igreja, será que não havia discussões teológicas, heresias, ou divisões?

Com certeza havia bem menos do que aconteceu depois de 312 (Constantino), pois os grandes desafios e obstáculos para a igreja não deixavam muito tempo para ficar discutindo questões secundárias. Mas durante os primeiros séculos, houve também intervalos de calmaria, e pode surpreender-nos ver quantas coisas surgiram neste período.

UMA IGREJA VULNERÁVEL

Antes de tudo, devemos lembrar que a igreja primitiva não tinha ainda o cânone do Novo Testamento. Já tinha os escritos dos evangelhos e das epístolas, mas não havia ainda um consenso sobre quais livros tinham a autoridade da Palavra de Deus, e quais não tinham. As Escrituras para eles eram só o Velho Testamento, e não havia ainda esta base sólida e objetiva da fé cristã.

Outra coisa que a igreja não tinha no princípio era uma estrutura clara de governo, nem local, e muito menos universal. Mas isto começou a mudar rapidamente, e logo do meio dos presbitérios locais havia um que despontava como líder principal, e que passou a ser chamado de bispo. As igrejas locais, que no princípio eram bem autônomas apenas sob a orientação espiritual dos apóstolos, começaram a ser influenciadas por algumas mais fortes, como aquelas de Roma, Cartago no norte da África, Antioquia e Alexandria. E assim, a igreja do ano 300, mesmo antes da grande metamorfose que estava prestes a ocorrer com o novo status oficial, já era uma igreja muito diferente da igreja apostólica.

Sem um cânone definido, sem um governo central, e sem a autoridade espiritual dos apóstolos, a igreja permaneceu com um certo grau de união nos primeiros séculos em grande medida por causa da perseguição que fazia com que todos se sentissem partes da mesma causa. Mas mesmo assim surgiram vários líderes com idéias fortes e conflitantes, que atraíam adeptos e formavam grupos, às vezes totalmente separados do restante da igreja, outras vezes convivendo por um tempo dentro dela.

AS PRIMEIRAS HERESIAS

O gnosticismo foi uma das heresias mais antigas, e ninguém sabe exatamente como originou. Teve muitas formas e variações, algumas sem relação com o cristianismo, mas fundamentalmente ensinavam que toda matéria é inerentemente má, e que o universo nem foi criado pelo Deus supremo. Este Deus é inacessível e por isso é preciso ter um exército de outros seres espirituais, e um conhecimento especial e secreto (o gnosis) para alcançar a salvação. No gnosticismo cristão, Cristo seria um destes seres espirituais, mas ele não teve um corpo material, pois do contrário teria se contaminado.

Portanto, como todas as heresias, esta ensinava um conceito errado sobre a verdadeira natureza de Jesus, que é central à revelação bíblica, além de uma série de outros desvios, como ascetismo, legalismo, e a necessidade de outros mediadores, idéias que posteriormente contaminaram o cristianismo seriamente.

Marcião, que tentou trazer uma reforma para a igreja, pregou em Roma a partir do ano de 144. Querendo solucionar o dilema do mal e do sofrimento, propôs um dualismo radical, em que o Jeová do Velho Testamento não era o mesmo Deus de misericórdia que Cristo veio revelar. Assim rejeitava as Escrituras do Velho Testamento, e muitas partes dos livros que hoje fazem parte do Novo Testamento. Só aceitava o evangelho de Lucas e as epístolas de Paulo, e mesmo nestes selecionava o que lhe interessava. Apesar de representar uma grande heresia, foi a primeira tentativa de reunir num cânone os livros inspirados pelo Espírito Santo do Novo Testamento. Mas fez isto tentando separar totalmente o plano de Deus na igreja da nação de Israel e do plano que Deus iniciou no Velho Testamento.

MONTANISMO.

O montanismo foi um outro tipo de movimento que surgiu também nesta época, por volta do ano de 156. Foi diferente dos outros, porque não constituiu uma heresia doutrinária, embora acabasse sendo rejeitado pelos bispos das igrejas com mais influência. Na verdade, foi um movimento de renovação, a primeira renovação carismática na igreja, pouco mais de 100 anos depois do primeiro Pentecostes.

Nesta época a igreja já não tinha a atuação do Espírito Santo como antes; os homens estavam tomando as rédeas do poder; o padrão de santidade e separação do mundo estava caindo; e não havia mais aquela expectativa viva da volta de Jesus.

Começando na província romana de Ásia Menor, Montano e duas profetisas, Priscila e Maximila, começaram a ensinar e a profetizar. O movimento procurou ficar dentro das igrejas existentes, mas o objetivo era trazer uma palavra direta e viva de Deus, e levantar grupos com maior fervor e santidade, esperando a iminente volta de Jesus. Na década de 170 o movimento já havia crescido bastante, e a perseguição ordenada pelo imperador Marco Aurélio em 177 reforçou a expectativa da volta de Jesus e a intensidade dos montanistas nas palavras proféticas.

A característica principal do movimento era a manifestação de dons do Espírito que já estavam desaparecendo da igreja, como línguas estranhas e visões, mas especialmente a profecia. Nem todos os membros tinham o dom de profecia, mas os que tinham eram considerados porta-vozes do Espírito Santo, e falavam muitas vezes em estado de êxtase e na primeira pessoa, como se fosse o próprio Deus falando através deles. Suas profecias eram consideradas revelações com autoridade divina que deviam ser aceitas por todos. Obviamente, por ser diferente das demais igrejas, isto entrava em choque com as autoridades eclesiásticas, e os bispos da região convocaram os primeiros sínodos ou reuniões de bispos na história da igreja para tratar da situação. Os montanistas foram condenados e rejeitados, o que causou a separação deles da igreja, mas não a extinção do movimento. Mesmo depois da morte dos principais líderes, o movimento ganhou seu adepto mais famoso, que foi Tertuliano de Cartago, por volta de 200.

Basicamente, os montanistas não se desviaram dos fundamentos da fé cristã, e representaram um movimento de renovação e revigoramento da igreja, com mais ênfase sobre a presença do Espírito Santo, sua revelação viva e atual, e menos domínio humano no controle da igreja. Entretanto, havia também exageros e perigos sérios, principalmente por dar muita ênfase nas experiências místicas e emotivas de ouvir de Deus, em que alguns diziam conversar com anjos, tinham visões, e falavam em êxtase. As profecias recebidas tinham de ser aceitas sem questionamento, e os profetas não aceitavam nenhuma autoridade superior ou disciplina. E embora nem tudo fosse errado, e certamente o Espírito quisesse despertar a igreja para esperar mais ativamente a vinda de Jesus, houve muitas profecias falsas sobre o fim do mundo e a vinda da Nova Jerusalém para aquela região, que não se cumpriram.

CONCLUSÃO

As ameaças das heresias e mesmo da revelação através de dons do Espírito fizeram com que a igreja começasse a buscar instrumentos de proteção e preservação. Estes instrumentos seriam uma organização mais rígida, a formulação de credos com definição das doutrinas fundamentais, e eventualmente e mais importante, o cânone do Novo Testamento.

Sem dúvida alguma, a preservação das doutrinas essenciais e do cânone das Escrituras no meio de toda a confusão e das investidas de doutrinas falsas nestes primeiros séculos, constituem um tremendo milagre de Deus. Mas ao mesmo tempo, a liderança da igreja que rejeitou o montanismo e as manifestações sobrenaturais dos dons, também fechou as portas para o sopro de vida numa igreja que caminhava firmemente para o institucionalismo morto.

Já no segundo século começa a tensão que continuaria por todos os séculos da história da igreja, entre a igreja formal e reconhecida, que teria a função de preservar os pontos fundamentais da fé e o cânone das Escrituras, e os movimentos de reforma, que buscavam a volta à verdadeira vida e presença de Jesus na igreja, como no tempo dos apóstolos. Também aparecem já neste começo as duas opções de reforma que seriam usadas durante a história: grupos que conseguiam permanecer dentro da igreja, trazendo renovação e nova vida dentro dela para quem estava aberto para aceitar; e outros que pelo próprio radicalismo ou por serem rejeitados pela igreja estabelecida, começavam movimentos separados.

Fonte de pesquisa: Christian History Magazine, Issue 51, 1997, da Christianity Today, Inc.; The Pilgrim Church, por E. H. Broadbent

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