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História da Igreja – Parte 2 – Quem Conquistou Quem?

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Raízes – Lições da História da Igreja Para os Nossos Dias

É um princípio indiscutível que, para se descobrir o propósito da existência de um indivíduo, entidade, nação ou até mesmo de toda a humanidade, é preciso começar analisando a sua história, suas raízes. Não é diferente em relação a Igreja, que na verdade é o conjunto de pessoas que atenderam ao chamado de Deus para sair para fora de um mundo cada vez mais à deriva no caos e degeneração resultantes do pecado, a fim de reencontrar mediante a obra redentora de Jesus o caminho de volta ao propósito original de Deus para a humanidade e para toda a criação. É nosso objetivo através destas crônicas sobre épocas passadas da história da Igreja descobrir algumas das nossas raízes, e compreender melhor a razão da nossa existência.

Quem Conquistou Quem?

Provavelmente o fato mais conhecido e divulgado a respeito da igreja dos primeiros séculos é que era uma igreja perseguida, a igreja dos mártires.

Qual era o efeito desta perseguição, e da atitude dos cristãos diante dela, sobre a sociedade contemporânea? Conhecemos bem a famosa frase de Tertuliano, um cristão da África do Norte, escrita em aproximadamente 197 A.D.: “O sangue dos cristãos é a semente da igreja. É a isca que atrai os homens para o nosso pensamento. Multiplicamo-nos sempre que somos cortados por vocês.”

Será que aconteceu assim mesmo? Será que os pagãos corriam para a igreja depois de testemunhar martírio dos cristãos? E será que os cristãos sempre estavam dispostos a dar suas vidas por amor a Cristo?

Na verdade, demorou quase duzentos anos para que o martírio dos cristãos causasse um impacto significativo sobre o mundo pagão. É claro que sempre houve impacto individual sobre as pessoas que testemunhavam a morte dos cristãos. No livro de Atos, temos o exemplo de Saulo que estava presente no primeiro martírio da igreja, a morte de Estevão, mas que não se converteu até seu encontro dramático com Jesus na estrada para Damasco. Contudo, a cena certamente o impressionou e veio dar fruto depois.

Inicialmente, o povo da época tinha pouca informação sobre os cristãos, e os tratava com desprezo e desdém (veja o primeiro artigo desta série). Pareciam ter prazer em persegui-los, como se estivessem eliminando pessoas perversas e nocivas para a sociedade. “Amigos das varas” ou “homens dos postes” eram apelidos de desprezo que davam a estas pessoas que permitiam que fossem amarradas a um poste ou atadas no meio de um monte de varas para serem queimadas. Os cristãos eram considerados uma seita ou escola filosófica que se opunha à ordem estabelecida, que mexia com magia negra, e que praticava incesto e sacrifício ritualístico de crianças.

“Por acreditarem na ressurreição, trouxeram este estranho e novo culto, desprezam os terrores, e vão prontamente e com alegria para a morte,” zombava um contemporâneo. “Agora vejamos se vão ressurgir, e se seu deus poderá ajudá-los e tirá-los das nossas mãos.”

Os romanos eram acostumados a assistir cenas brutais nos anfiteatros, como de gladiadores se massacrando, ou de criminosos sendo executados por feras selvagens. Assim os cristãos, apesar da sua prontidão em oferecer suas vidas, eram vistos como fanáticos subversivos, motivados segundo acreditava o imperador Marco Aurélio, “de pura oposição”. Se queriam tanto morrer, podiam morrer.

Por esta razão, inspiravam pouca compaixão ou misericórdia. Apesar de ficarem impressionados com o destemor e coragem dos  cristãos para enfrentar a morte, os pagãos em geral, e principalmente as autoridades, eram mais impactados no princípio com sua teimosia e inflexibilidade do que com sua fé, que quase não conheciam e não procuravam conhecer.

A perseguição contra a igreja nos primeiros séculos não era contínua ou ininterrupta. Veio em ondas sucessivas, separadas por períodos de calmaria e tranqüilidade. Segundo alguns historiadores, houve dez ondas de perseguição entre a primeira do imperador Nero (no ano 64) e a última do imperador Diocleciano (303 – 312), o que poderia ser um cumprimento da profecia na carta à igreja em Esmirna de que teriam tribulação de dez dias (Ap2.10).

Embora alguns dos imperadores que ordenavam as perseguições (como Nero, Domiciano, e Décio) fossem quase que totalmente enlouquecidos e dominados pelo grande adversário de Deus e da igreja, outros eram homens racionais e até intelectuais, como o filósofo Marco Aurélio. Estes não mandavam prender e matar indiscriminadamente os cristãos, pois apenas repudiavam as idéias e ensinamentos da religião, mas não odiavam os seus seguidores. Trajano, por exemplo, que não perseguia os cristãos no início do seu reinado, passou a tentar exterminar a religião cristã por achar que era uma filosofia que insultava a natureza humana. Em contraste com a filosofia romana que elevava os homens à posição de deuses e prezava orgulho e exaltação próprios, o cristianismo parecia-lhe efeminado e desprezível por ensinar humildade e brandura.

Neste segundo caso, os perseguidores já não tinham prazer na tortura ou execução, mas procuravam de toda forma fazer com que os cristãos se retratassem, renegando a fé e fazendo sacrifício aos deuses, ou jurando que não serviriam mais a Cristo.

Existem nesta categoria muitos relatos de cristãos que permaneciam inabaláveis, mesmo diante de súplicas e insistências de parentes e autoridades para que salvassem as suas vidas, renegando a fé. Entre estes, podemos citar Policarpo, bispo de Esmirna, que foi preso e condenado à morte quando já tinha mais de noventa anos (ano 166). A caminho para a cidade, um dos magistrados tentou persuadi-lo a sacrificar para os deuses. Não sendo aceita a sua proposta, o magistrado ficou irado e jogou o ancião para fora do carro com tanta violência, que quebrou a perna. Dentro da arena, novamente o governador prometeu poupar-lhe a vida se negasse a Jesus. A resposta firme foi que há oitenta e seis anos servia a Cristo, e nenhum mal este lhe fizera; por que haveria de blasfemar o seu Rei agora?

Outro caso famoso foi o martírio de Perpétua em Cartago, no norte da África, em 203. Com apenas 22 anos, de uma família influente, e com uma criança de colo, resistiu à ira e depois às súplicas desesperadas de seu pai por sucessivas vezes, para que voltasse atrás e oferecesse sacrifícios pela prosperidade do imperador. Com coragem e determinação ficou firme até ser executada através de animais e finalmente pela espada de um gladiador.

Nos períodos de bonança e sossego entre as ondas de perseguição, a igreja se estabelecia mais e alcançava novas regiões. Mas ao mesmo tempo em que ampliava sua influência e propagava mais a sua fé, muitas vezes se misturava mais com o mundo em que vivia, e acabava se enfraquecendo espiritualmente. Este foi o caso de um período especialmente longo de tranqüilidade entre 210 e 250, em que houve apenas uma curta perseguição de três anos. Quando o imperador Décio tentou mais uma vez exterminar a fé cristã, ordenando que todos oferecessem sacrifícios aos deuses romanos, houve uma enorme apostasia entre os cristãos, inclusive de alguns dos líderes e bispos. Os pagãos se sentiam vencedores, e os poucos que permaneciam firmes eram ridicularizados como tolos. Quando alguém se recusava a sacrificar, as autoridades diziam que se até alguns dos bispos haviam renunciado à fé, por que não ele também?

Desta forma, a perseguição purificava a igreja de pessoas que não eram muito comprometidas com Jesus, e também de influências que levavam a igreja para mais perto do mundo. Estas influências tentavam a igreja a conquistar o respeito e reconhecimento do mundo através de construir prédios semelhantes aos templos pagãos, de aceitar cargos do governo, e de acumular riquezas e bens materiais; mas quando voltava a perseguição ela mais do que rápido tinha de reaprender as lições esquecidas, e voltar à simplicidade do evangelho.

A partir desta perseguição de Décio em 250, o testemunho dos mártires começou a ter maior impacto sobre a sociedade. Nessas alturas, a mensagem e a vida cristãs já eram mais conhecidas. Os apologistas, como Justino, já haviam feito defesa da fé cristã, e as idéias de um Deus superior que não poderia ser reduzido a imagens exteriores, e da vida eterna, começavam a causar reações diferentes de espanto ou zombaria entre os pagãos.

Quando veio a última grande onda de perseguição com o imperador Diocleciano, em 303, a situação começou realmente a reverter mais fortemente contra o paganismo. O número de cristãos já estava bem maior do que em perseguições anteriores. E desta vez, poucos cristãos se enfraqueceram diante da perseguição, e isto influenciou fortemente a opinião pública.

Grandes números abandonavam os deuses falsos por estarem fartos da crueldade associada a eles. Outros observando que os cristãos preferiam morrer do que deixar o seu Deus, perguntavam a si mesmos se seus deuses lhe davam este sentido de vida. Ver pessoas sendo torturadas e nas agonias da morte ainda dizerem que jamais sacrificariam a deuses de pedra feitas por homens porque serviam a um Deus vivo, só podia fazer com que refletissem e muitas vezes admitissem a verdade.

Assim, a igreja de Jesus venceu a maior potência mundial que já existira até então. Não só uma, mas várias vezes, o homem que representava o maior poder secular do mundo fez um sério voto de erradicar o cristianismo da face da terra, mas este só crescia mais e mais.

Mas a vitória do cristianismo que culminou com a conversão do homem que ocupava este cargo poderoso, o imperador Constantino, em 312, foi uma vitória irônica, pois abriu as portas da igreja para todas as influências do espírito do mundo que acabariam praticamente sufocando a verdadeira essência plantada por Jesus. A sobrevivência da igreja, embora de forma contaminada e adulterada, por todos os longos séculos de predomínio de poder temporal e material dentro dela, com certeza é algo muito mais surpreendente do que sua resistência à perseguição.

A verdadeira mensagem e impacto da igreja sofredora demoraram um pouco para se fazerem sentir no mundo de então, mas está muito claro que a perseguição contribuiu muito para a preservação da sua essência por um bom tempo antes do processo de declínio se desencadear plenamente. Embora a igreja institucional e casada com o sistema do mundo tenha cumprido um papel dentro do plano de Deus durante todos estes séculos, podemos concluir que o maior inimigo da igreja pura e simples que Jesus veio para gerar não é a perseguição, e sim a prosperidade e sucesso neste mundo. Como são sistemas totalmente opostos, a igreja só pode estar vivendo no sistema celestial quando o sistema terreno está se sentindo ameaçado por ela. E o alvo da igreja é conquistar vidas para entrar no outro sistema, e nunca conquistar o sistema deste mundo, pois no momento em que o conquista, na verdade acabou de ser conquistada. Exemplos desta verdade aparecem não só na igreja primitiva, mas em muitas outras épocas e lugares, notavelmente em nossos dias na igreja da China. De repente, do meio da perseguição, a igreja que poderia ser mais uma réplica da igreja contaminada do Ocidente, surge evidenciando poder, pureza, simplicidade e união, que pareciam estar perdidos há séculos atrás.

Ninguém sabe o que vem pela frente nos últimos anos desta era cristã. Mas com certeza a possibilidade de Deus usar mais uma vez a perseguição para purificar sua igreja não seria difícil de imaginar. Afinal, ela já existe em muitos países do mundo, e já se provou como o meio mais eficiente de mostrar à igreja que ela não pertence a este mundo. Ou nós poderemos aprender isso de outra forma?

Fonte de pesquisa: Christian History Magazine, Issue 57, 1998, da Christianity Today, Inc.; História do Cristianismo, de Knight e Anglin.

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