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História da Igreja – Parte 16 – O Livro, a Paixão e a Perene Expectativa

Raízes: Lições da História da Igreja Para os Nossos Dias
O Livro, a Paixão e a Perene Expectativa
A Criação dos Pequeninos na História do Povo de Deus

Os Antecedentes Judeus

Dos primeiros passos de Abraão aos tempos de Jesus, em uma jornada histórica palmilhada por desvios e despertamentos, os judeus obtiveram razoável sucesso em transmitir aos seus filhos seus valores e expectativas. Nos tempos do Velho Testamento, qualquer reformador que estudasse a lei se constrangeria com as abundantes exortações sobre criar os filhos de maneira premeditada, para neles incutir zelo e paixão. Em cada nova geração, ainda que a apostasia encobrisse a terra de Israel como pesada nuvem, a semente da palavra aguardava, escondida em corações pequeninos. Com olhos curiosos, e ouvidos atentos, crianças judias recebiam de seus pais a palavra e a paixão. Guardavam o Livro, ligavam-se irremediavelmente a Eretz (sua terra, Israel) e desejavam ardentemente o Messias, a Esperança de Israel (Jr 17.13).

O Livro, A Paixão e A Perene Expectativa.

Devemos a essa maneira judaica de criar filhos a preservação do Antigo Testamento, a volta dos exilados à terra e a alimentação da chama, que ardia em expectativa pela vinda do ungido do Senhor.
E as ensinarás a teus filhos, e delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te.  Dt 6.7

Os Cristáos Primitivos

Os cristãos primitivos, durante o Império Romano, viveram em tempos onde a imoralidade era grande, e as tentações dos jovens eram semelhantes às de hoje: a sedução de um mundo onde carreiras e fortunas seculares borbulhavam, onde o crime era por vezes a única opção, a pureza sexual não era valorizada (a prostituição era, para os pagãos, um culto religioso) e o entretenimento imoral na forma de teatros e espetáculos apaziguava a inquietação e o raciocínio das massas.

Como se explicam então as proporcionalmente poucas instruções sobre criação de filhos no Novo Testamento? Primeiro: O Velho Testamento já abordava razoavelmente o assunto. Portanto, a prática do relacionamento ente pais e filhos poderia se basear nas Escrituras já existentes. Os primeiros cristãos receberam este legado naturalmente. Segundo: Podemos assumir que a prática da vida cristã por parte dos pais exerceria sobre os filhos exemplo e fascínio.
Esta é a perspectiva cristã quanto à criação de filhos: Sua total conversão a Deus não é relegada ao acaso, ou à unilateral providência divina. Ao contrário, os cristãos herdaram dos judeus a visão prática e disciplinada com que eles criavam seus filhos no caminho do Senhor. Havia uma tarefa a ser feita, uma matriz cultural a preservar. Através do Didaquê (ensino bíblico dedicado) e do Kerigma (a proclamação do evangelho revelado), a palavra era gravada em seus corações infantis, ensinando-lhes o caminho em que deviam andar, abrindo janelas em suas mentes, provocando nas crianças interesse por um estilo de vida comprometido com Deus.

A antiga lei (Dt 6.20) poderia ser parafraseada para os cristãos em uma poderosa promessa: Viva o evangelho e, um dia, com o coração desejoso, seu filho lhe perguntará: “Que significam os testemunhos, estatutos e preceitos que o Senhor nosso Deus vos ordenou?” Essa questão cavará na alma da criança um duto onde a luz de Deus entrará e fará morada.

Enquanto buscavam servir a Deus em suas lutas cotidianas, os pais cristãos ouviam ecoar em seus espíritos a voz do Senhor:

Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, para que não te esqueças das coisas que os teus olhos viram, e que elas não se apaguem do teu coração todos os dias da tua vida; porém as contarás a teus filhos, e aos filhos de teus filhos… Dt  4.9

Guardar-se a si mesmo é testemunhar aos filhos como exemplo vivo.

A Era dos Pais (Patrística)

Após a morte dos apóstolos, no período chamado Era dos Pais da Igreja, o grande contingente de cristãos não judeus não possuía a visão familiar do povo de Israel. Em razão disso, tornam-se mais freqüentes as exortações à santidade familiar e o repúdio às heresias.

Tertuliano exortava veementemente os cristãos a não participarem das festividades da sociedade ímpia que os rodeava. Como exerciam atração sobre os adultos, podemos presumir o quanto eram tentadoras aos seus filhos. Mesmo assim, a vitalidade dos laços entre pais e filhos continuava; as reuniões, em sua maioria, ocorriam em casas particulares, conferindo a toda irmandade um “jeito bem família”. A prática de batizar crianças foi surgir bem mais tarde, existindo, portanto uma expectativa quanto à conversão dos filhos.

E como podemos ver na história de Orígenes, o exemplo dos pais ainda constituía o modelo a ser seguido. Quando ainda era um jovenzinho, na perseguição que ocorreu no reinado de Sétimo Severo (193-211), seu pai foi feito prisioneiro. Orígenes preparou-se para se juntar ao pai na prisão e com ele sofrer o martírio, mas foi impedido por sua mãe que escondeu suas roupas. Escreveu então ao pai um texto em que o exortava a ser fiel até a morte.

Diante dos novos desafios no mundo não judeu, a igreja se institucionalizava, expressando sua fé através de fórmulas e conceitos filosóficos. A Paixão e a Expectativa foram sendo esquecidas pela maioria, a tal ponto que aqueles que as possuíam eram julgados especiais.

Não obstante, o eterno livro continuava a clamar:

Para que temas ao Senhor teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos, que eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida, e para que se prolonguem os teus dias. Dt  6.2

O Cristianismo tornou-se a religião oficial, e o poder temporal adquirido pela igreja a esvaziava do poder divino. Heresias ainda piores surgiam por todos os lados e a família raramente servia como veículo de transmissão do chamado de Deus para as gerações seguintes.

Na verdade, um estudo dos grandes homens da Bíblia (no Velho Testamento) e da história da igreja (assim como de grandes líderes contemporâneos) revelará que poucos tiveram grande sucesso em formar uma geração para continuar a obra de Deus dentro do contexto da própria família. Tanto é que os casos em que filhos de líderes e homens de Deus deram vexame e se afastaram do conhecimento de Deus são muito mais abundantes e notórios do que exemplos positivos.

Entretanto, citaremos apenas duas destas raras exceções à regra, para mostrar um pouco daquilo que Deus deseja realizar em grande escala.

Martinho Lutero

O grande reformador, Martinho Lutero, casou-se, com 41 anos, com a ex-freira Catarina de Bora. Os dois tinham temperamentos muito fortes, mas de acordo com o testemunho de ambos, foi uma união de grande afeição e respeito mútuo. “Não há laço tão doce na terra nem separação mais amarga do que aqueles que ocorrem num bom casamento”, disse Lutero.

Outras referências de Lutero ao casamento:

“Ter paz e amor no casamento é a dádiva mais próxima do conhecimento do evangelho.”

“É fácil achar uma esposa, porém ter amor duradouro – este é o desafio. Aquele que o encontrar, deve dar graças ao Senhor.”

O casal teve seis filhos, o que deu o que fazer à mãe – e ao pai também! Lutero às vezes precisou lavar fraldas, mas ele afirmou com ar de desafio que se os vizinhos caçoassem dele por estar desempenhando uma tarefa tão “imprópria para homens”, que se rissem à vontade: “Deus e os anjos estão sorrindo no céu”.

Lutero era muito exigente na disciplina. Uma vez, puniu seu filho mais velho por um sério lapso moral, proibindo-o de estar na presença do pai durante três dias. No final do período, exigiu que o filho escrevesse uma carta pedindo perdão. Afirmou que preferia que o filho estivesse morto antes que se tornasse mal-educado.

Entretanto, Lutero aconselhava os pais a sempre disciplinarem seus filhos com precaução e cuidado, levando em conta a personalidade singular de cada um. De acordo com ele, seus próprios pais o haviam disciplinado com excessiva rigidez, não considerando suficientemente o efeito do castigo sobre sua vida.

O sofrimento de Lutero com as mortes de duas filhas, uma com oito meses, e outra com 13 anos, revela muito sobre seu coração de pai. “Nunca pensei que o coração de pai pudesse se quebrantar tanto por causa de um filho.”

Dos quatro filhos remanescentes, um se formou como advogado e se tornou oficial do governo; outro foi um famoso médico; um estudou teologia mas não chegou a ser pastor, pois morreu com 33 anos; e a filha Margareta casou-se com um nobre.

Jonathan Edwards

O segundo exemplo é de Jonathan Edwards, pregador puritano, contemporâneo de John Wesley. Assim como ocorreu com Martinho Lutero, a chave do sucesso na criação dos filhos está na união com equilíbrio e profundo respeito mútuo entre o casal. Sarah Edwards era filha de uma linhagem de pastores, e sempre foi tratada pelo marido como uma pessoa de grande valor, com quem gostava de conversar e que o completava em muitos aspectos. Os dois tinham costume de sair no final das tardes para cavalgar juntos. Era o seu momento de conversar, sem outras interrupções ou distrações. A última atividade do dia, antes de recolherem para dormir, era ter seu momento devocional em conjunto.

Tiveram onze filhos, todos os quais sobreviveram e chegaram à idade adulta, o que era uma raridade naquela época. Edwards tinha o costume de sempre levar um dos filhos em sua companhia quando viajava para outra cidade. Outra estratégia dele era separar uma hora antes do jantar, todas as noites, para dar toda sua atenção para os filhos. Sentado em sua cadeira favorita, de encosto alto, ajudava as crianças nas suas tarefas escolares ou respondia suas perguntas. Elas sabiam que aquela hora lhes pertencia e que podiam contar suas novidades ou trazer seus problemas.

Os filhos sentiam que os pais tratavam a disciplina como equipe unida e notavam que o pai tratava a mãe com gentileza e respeito. Nas palavras do grande evangelista, George Whitefield, que se hospedou muitas vezes ali: “Nunca vi casal mais afetuoso”.

A descendência do casal se tornou uma celebridade na história cultural dos Estados Unidos (veja página 19). Uma de suas filhas, Jerusa, quase se casou com o famoso David Brainerd, cuja história foi relatada pelo próprio Jonathan Edwards na biografia deste intenso e dedicado missionário aos índios.

Jonathan Edwards morreu relativamente jovem (55 anos), mas seu investimento na geração seguinte deu frutos abundantes.

Colaboração: Christopher Walker

Bibliografia:
Uma História Ilustrada do Cristianismo, vol. 1 e 2 — Justo L. Gonzáles, Edições Vida Nova
O Diário de David Brainerd — Jonathan Edwards, Editora Fiel
Christian History, nos 8 e 39

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