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caminho que Jesus trilhou

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Por Eliasaf de Assis

Reparto com você lições práticas sobre concentração, de pouca elegância teológica mas arraigadas em minha espiritualidade. São conselhos de quem ainda sofre com um atabalhoamento quase patológico, mas está aprendendo. Que alguém como eu fale a respeito de concentração mostra como o Pai surpreende com sua graça educadora! Preciosas para mim, cada dica custou-me um preço pessoal em “sangue, suor e lágrimas” – os dois últimos, de forma literal, em grande volume!

De olho no Pai

– Tem certeza de que isso dará certo?

– Claro, respondeu minha mulher. Vi em uma revista; é assim que funciona.

Sentados imóveis no sofá da sala, permanecemos cada um com uma revista na mão. Não estávamos lendo e, sim, nos “mostrando”. Tratava-se de uma experiência psicológica, dessas que pais às vezes praticam com os filhos.

Miriam havia lido sobre como a maioria dos adultos que gostam de ler visualizou, durante a primeira infância, os pais com um livro na mão. Assim nos empoleiramos no sofá, como duas corujas leitoras, olhos postos em nossa presa, uma menina de menos de 1 ano que engatinhava divertida no chão, alheia à nossa intenção de cooptá-la para o mundo das letras.

Lembro-me do instante, mágico nas “crônicas” de nossa casa. Nossa filha nos viu e inclinou a cabeça para o lado em um esforço para registrar a situação. Foi a uma estante na sala na qual revistas descansavam como isca. Arrastou uma pelo chão e escalou o sofá, sentando-se entre nós. Abriu a revista, de cabeça para baixo, e olhou-nos sorrindo, pedindo nossa aprovação. Lá estava nossa pequena, no Olimpo da leitura, entre seus pais, semideuses pra ela.

Imitamos o que vemos nossos pais fazerem. Penso que há, entre nossa capacidade de concentração e nosso relacionamento com os pais, uma intrigante ligação. Jesus parecia concordar com isso, pois o trabalho dele consistia em fazer aquilo que via o Pai fazer (Jo 5.19). Uma ilustração meiga e terna, de simplicidade infantil, mas poderosa! Contrasta com nosso tempo, no qual rostos de adulta severidade, na TV ou na universidade, dizem às pessoas onde devem focalizar suas forças, o que devem fazer ou aprender. Smartphones, notebooks e outras parafernálias prometem organizar vida e energia, mas, mesmo assim, a dúvida e a perplexidade aumentam. Tudo ficou complicado, porque olhamos para dentro de nós, para nossas habilidades e limites ou para as demandas à nossa volta.

Precisamos entender que atenção espiritual não é o mesmo que obcecar-se com um assunto, seja a administração de uma igreja, missão, família ou carreira. Os executivos de alta performance de hoje, vorazes por resultados e verborrágicos em discursos sobre “foco e objetivos”, pareceriam, a Jesus, um bando de desordeiros. Isso porque eles não se deixam guiar criativamente pelo Espírito. Valorizam um mito de nosso tempo, o perfil “multitarefa”. Mas tudo o que queima de forma explosiva termina logo.

Fazer muitas coisas ao mesmo tempo não implica real produtividade. Peter Drucker diria que “não devemos confundir movimento com avanço”. O reino de Deus, geralmente, avança em ações de pouca evidência e que assumem a aparência do “avesso da importância”[1]: uma visita, um jantar simples não planejado, cortar a unha de uma criança ou apoiar um familiar idoso em sua locomoção ao médico. Como essas atividades aparentemente comuns podem significar nosso alvo? Somente se compreendermos como Deus está conosco, cuidando de nós e dirigindo-nos a cuidar de outros. Em todas essas atividades desconcertantemente triviais, podemos comungar da mente de Cristo e concentrar-nos em sua vontade.

Manter-se orientado exige uma postura que, de tão simples, é um desafio para nossa imagem de independência. É menos uma questão de agenda e mais uma ênfase no relacionamento. O Pai tem prazer em orientar nossa atenção e ensinar-nos a concentração. Em comunhão interior, podemos ser wi-fi, recebendo as mensagens de Deus em tempo real. Não devemos confiar apenas em nossa avaliação do ambiente, mas atentar ao Espírito, que nos aponta portas abertas à medida que andamos em sintonia.

Deparamo-nos aqui com dois modelos de serviço ao Senhor: o do religioso-executivo, que, paramentado de gadgets, assemelha-se aos líderes de nosso tempo, ou o do agente livre, conectado com o Espírito, que é conhecedor das profundezas humanas. Ele nunca se apressa e nunca chega atrasado. Cristo era assim, lembra-se? Embora trabalhasse muito, não conseguimos imaginá-lo apressado e, menos ainda, distraído. Ele respondia ao timing divino e, embora não fosse tomado pela tensão comum de nosso tempo, era concentrado e produtivo. Tudo isso porque tempo a sós com o Pai era sua prioridade.

Um rosto determinado voltado ao alvo

Jesus era assertivo em apontar para a realização de sua tarefa, tomado por uma determinação em atingir o alvo. Ele vem de uma linhagem étnica na qual a aplicação e a diligência eram muito valorizadas. Jacó, Moisés, Ezequias e, por vezes, todo o povo de Israel levantavam “bem cedo”, concentrando-se em obedecer a Deus. Os profetas se colocavam na torre de vigia, sinônimo de uma condição em que mente e afetos ficavam alertas para Deus. Quando Daniel “aplicou o coração” em sua busca, obteve a atenção dos poderes celestes.

Jesus tinha “o rosto de quem vai [prosopon, no grego] a Jerusalém” (Lc 9.53). Como a feição de alguém pode indicar para onde vai? Segundo os léxicos, o rosto funcionava como um index (espécie de filtro ou seletor) dos pensamentos e sentimentos íntimos. No que presta atenção um homem? Está em seu rosto e em seus olhos, extravasado tanto no que olha quanto no que deixa de olhar. Essa seletividade do olhar me lembra um tipo de fisionomia: a do atirador.

A primeira vez em que disparei uma arma foi aos 8 anos, quando vovô tomou-me pela mão até os fundos da casa e mostrou-me um revólver recém-comprado. Mostrou como funcionava e ensinou-me a empunhá-lo. Apontou-me o alvo, um círculo feito em giz na parede, e pediu que eu disparasse. Eu temia tanto o estampido do tiro que não consegui puxar o gatilho. Meu avô, então, tomou a arma de minha mão e descarregou o revólver com precisão no alvo. Lembro-me do rosto determinado, do olhar e da postura que servem de ilustração para o tipo de força de decisão que Jesus possuía.

Quando viajei à Amazônia pela primeira vez, aos 17 anos, reencontrei meu pai após 11 anos de separação. E uma das primeiras coisas que ele fez foi municiar uma espingarda e ver como eu atirava. Deve ser uma espécie de ritual de passagem na família! Meu pai preparava os próprios cartuchos, compensando, na espoleta, o desvio da velha espingarda. Apontou-me um mamão à distância de uns 15 metros. Dessa vez, não temi o estampido e senti o coice da arma quando a detonação ocorreu. Mas, com frustração, vi que o mamão continuava no pé, intacto. Meu pai, avaliando minha performance, propôs ajustes: ensinou-me a postura que acomoda a arma e a importância do controle da respiração.

O principal inimigo do atirador não é ambiental, não está ao seu redor. Não somos distraídos apenas porque o mundo é barulhento e confuso. Antes, lidamos com nosso interior alvoroçado que reage às distrações à nossa volta. Soldados atiram bem em um stand de tiro, mas, por vezes, não têm bom desempenho em campo. Na batalha, onde o ar espoca em pólvora e urgência, o ambiente difere muito do treino controlado. O domínio de si próprio é a maior habilidade de um atirador.

Embora redundante, quero enfatizar o poder de andar com o Pai: se você tiver comunhão com ele, ninguém se intrometerá em seu caminho sem perceber um ar resoluto em seu semblante. Conseguirá dizer não ao que não se alinha com a vontade do Mestre. Uma fidelidade beligerante o tomará. Mesmo a pessoa mais meiga do mundo, quando dinamizada pelo amor a Deus, terá o rosto pétreo de um general em batalha!

Uma mente blindada

Gosto de um velho hino que diz: “o meu ser é vacilante, vem e blinda-o com amor”.

A maioria das vezes em que o engano me engolfa deve-se ao fato de eu estar distraído. A distração equivale a um enfraquecimento na fé. Minha atenção deixa de focalizar a Jesus e nota as ondas; lá vou eu em um mergulho atroz. Sente isso? Uma flutuação entre ânimo e desânimo? Sua linha de humor serpenteia?

Depois de muitas tentativas, acho que talvez espiritualizemos demais a questão de nossa mente. Corredores recitam mantras enquanto competem, pessoas esquecidas repetem em voz alta onde colocam alguns objetos e assim se lembram depois. Logo, sugiro algumas tarefas práticas como manter um livro de registros sobre suas impressões espirituais ou leituras bíblicas. Em outros casos, blindar a mente pode significar medidas mais drásticas como isolar-se do mundo, mesmo quando transitamos por ele, ouvindo músicas selecionadas que falam ao nosso espírito ou contemplar demoradamente um quadro que abra nossa alma à ventilação divina.

Talvez, a dica mais importante seja adotar uma prática semelhante à da educação rabínica, na qual a memorização era extraordinária, e Cristo destacou-se. Parafraseando Rilke, Cristo “era aquela força grande e amadurecida, capaz de algo de próprio onde há uma profusão de tradições boas, algumas brilhantes”. Como um trabalhador braçal nazareno brilhou entre brilhantes? Suas aplicações tão sábias e originais da Torá foram resultado de comunhão com o Pai e memorização das Escrituras. A memorização perpetua a comunhão da mesma forma que relembrar a figura do amado reacende a paixão nos amantes.

O criador do manual bíblico de Halley ficou famoso por decorar grandes extensões de textos bíblicos enquanto viajava longamente de trem. Qualquer um pode fazer isso embora alguns duvidem de sua própria capacidade. Tente decorar um versículo, uma linha ou frase por vez, e veja como sua segurança aumentará! Há um sabor especial em degustar demoradamente um texto bíblico! É como provar um doce que nunca enjoa e nunca perde o dulçor! O pensamento volta, sob outro ângulo, e diversas coisas Deus pode falar usando o mesmo texto. Comece aos poucos, modestamente, e não desanime quando parecer que esqueceu. A médio prazo, estará mudando sua forma de pensar e ganhando capacidade de concentração.

Ande leve

Tudo o que é nobre é difícil e exige perdas. Concentrar-se no alvo é largar outras coisas. O que você descartará? Não atingirá o alvo se estiver pesado.

Quando estive na Amazônia, lamentei, ao ver as flechas dos índios, que elas não fossem tão enfeitadas como costumava supor. Flechas enfeitadas servem bem a rituais, mas são inúteis para caçar. A flecha eficiente é leve. Você deve ser leve, descartando o que lhe pesa. Concentre-se em um objetivo e deixe o que não representa no momento uma obediência clara ao Senhor, principalmente se é algo que o impede de obedecer-lhe.

Na prática, isso pode significar abandonar um curso, evitar certas leituras, diminuir drasticamente o número de reuniões a que comparece ou, se você é solteiro, evitar namorar. Uma sensação de perda o visitará quando tomar algumas dessas atitudes, e é normal que ocorra. A alma, acostumada a um nível de atividade, tem de recompor-se, reparar a perda, e isso dói. Mas Jesus espera quem se lança nas águas e mergulha, abandonando as redes, mesmo quando elas foram abençoadas.

Os grandes heróis da fé, de nosso tempo e do passado, tinham um senso de descarte. Não deixe que suas grandes realizações obscureçam a mensagem clara e essencial de sua devoção: eles foram homens e mulheres monotarefa, pois ainda que tenham realizado muito, fizeram-no porque estavam imbuídos de um forte senso de propósito para fazer uma só coisa: atender a voz de Deus.

Preste contas

Talvez, você já preste contas demais! O que deve fazer é selecionar algumas pessoas realmente significativas para você e prestar contas apenas a elas. Nunca agradaremos a todos, e seria um erro se o fizéssemos. Concentrar-se em um alvo é também se dispor a sofrer, em muitos casos, rejeição e oposição.

Mas, principalmente aos criativos e talentosos, sugiro a saudável prestação de contas a alguém de caráter disciplinado e concentrado. Pessoas assim nos lembram antigos objetivos estipulados e nos trazem de volta quando nos afastamos do que é essencial.

Raciocine. O mundo dos homens é regido por duas forças: talento e caráter. É óbvio que ambas são desejáveis a todos, mas uma ou outra costuma destacar-se nos indivíduos. Os talentosos carregam o brilho divino de criatividade e habilidades especiais, enquanto as pessoas de caráter, em muitos casos, são comuns e, à primeira vista, podem não se destacar.

Os talentosos parecem fazer tudo com facilidade, como se não lhes custasse muito esforço compor uma música, liderar um exército ou projetar uma obra arquitetônica. Mas, em muitas ocasiões, são péssimos realizadores: uma nova ideia sabota a realização das antigas. Os talentosos sofrem, portanto, de falta de concentração. São “ciganos” quanto a seu propósito, migrando de um projeto anterior para outro, maculando sua fama como pessoas que não finalizam seus trabalhos.

Em muitas ocasiões, as pessoas de caráter são chamadas assim simplesmente porque terminam o que começam. Elas têm um foco. Talvez, pareçam desapaixonadas quando comparadas com pessoas de talento proeminente. Mas, quando pessoas de talento e pessoas de caráter se equilibram, é como se a imagem divina impressa em nossa essência viesse à tona. Tudo o que há no mundo, toda realização humana, seja na medicina, nas artes ou na ciência, dependeu desse equilíbrio entre a criatividade talentosa e a concentração oriunda de um caráter perseverante. A lâmpada elétrica, o telefone e a vacina antivaríola têm algo em comum: ideias poderosas, realizadas por uma ou mais pessoas que marcharam rumo a um alvo.

Não será diferente conosco. Se nos dedicarmos em atenção ao Senhor, nossas descobertas no reino espiritual e as práticas simples de obediência levantarão, para o Senhor, um povo bem disposto.

[1] Frase cunhada pela jornalista Eliane Brum em seu livro A vida que ninguém vê. Recomendo!

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