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Edificados Sobre o Quê?

Por Ezequiel Netto

O evangelho é rico em figuras para que possamos compreender melhor o reino de Deus. Uma dessas figuras é a que compara nossas vidas com a construção de uma casa. Muito conhecida por todos nós é a conclusão do Sermão do Monte, quando Jesus compara os que ouvem seus ensinamentos (proferidos em Mateus 5-7) e os praticam com o homem prudente, que edificou sua casa sobre uma rocha. O que ouviu as palavras de Jesus, mas não as cumpriu, foi comparado com o homem insensato, que edificou sua casa sobre a areia. Jesus deixa claro que deve haver um cuidado especial com os alicerces e fundamentos de nossa vida, para que, chegando as adversidades, a casa não caia, colocando todo o trabalho e tempo gasto a perder.

Construção por etapas

Jesus dedicou todo o seu ministério de ensino quase que exclusivamente a lançar estes fundamentos. Em certo momento (Lc 12.13-15), “disse-lhe um homem da multidão: Mestre, dize ao meu irmão que reparta comigo a herança. Mas Jesus lhe disse: Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós? Então lhes disse: acautelai-vos e guardai-vos da avareza; a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui”. Será que uma pessoa sem integridade, que rouba seu próprio irmão, deixando-o na miséria, vai mudar tão facilmente, ao ouvir um bom conselho? Jesus tinha consciência de que não adiantaria nada perder tempo aconselhando alguém sobre o que fazer com seu dinheiro, se a pessoa não tivesse os fundamentos corretos sobre materialismo, avareza e cobiça. E nós, quanto tempo perdido, aconselhando pessoas a adotar um comportamento cristão, tentando domesticá-las, sem atentarmos para o fato de não haver qualquer mudança em sua natureza…

Nicodemos era mestre em Israel. Usava boa parte do seu tempo ensinando, aconselhando, edificando vidas. Tinha habilidade e conhecimento para responder aos questionamentos das pessoas acerca de assuntos dos céus e da terra. Mas quem responderia a suas perguntas mais íntimas? Quem era sábio o suficiente para aconselhá-lo? Com quem conversaria de igual para igual? Observando a Jesus na festa da Páscoa, os sinais que fazia, a qualidade de seus ensinamentos, seu poder de persuasão, sua sabedoria, acreditou haver encontrado alguém para compartilhar suas dúvidas, conversar em nível elevado e, talvez, até mesmo alguém a quem dar alguns conselhos, a fim de lhe incrementar o ministério, quem sabe…

Mas Jesus não perdeu tempo com conversas que não levariam a lugar nenhum. Nicodemos, apesar de ser bastante instruído em assuntos da religião, precisava de conversão, de fundamento, nascer de novo. E Jesus foi direto ao ponto – quem nasce apenas da carne (nascimento natural) não tem acesso ao mundo espiritual. Se não nascesse de novo não poderia sequer ver o reino de Deus.

Não adiantaria gastar horas e horas conversando sobre o livro de Provérbios se Nicodemos não tinha nascido da água e do Espírito. Seria edificar sobre a areia. O próprio Salomão (quem foi mais sábio que ele?), que aconselhava a muitos, esqueceu-se de lançar os fundamentos em sua própria vida. Assim como Salomão, era Nicodemos: uma edificação bonita, bem ornamentada, mas sem fundamentos, prestes a desmoronar.

Um irmão do Rio de Janeiro, Ronaldo Roenick, que admiro muito, sempre falava em seus estudos: “Deus faz as coisas devagar porque tem pressa”. Ele também compreendia que nossa vida deveria ser edificada passo a passo, sem pular nenhuma etapa, para não perdermos tempo precioso consertando coisas que foram mal edificadas. Quem tem pressa e faz mal feito terá de fazer e refazer a mesma coisa várias vezes. Contudo, a Igreja em geral parece não perceber isso.

A falta de fundamentos e suas conseqüências

O pastor Jorge Himitian, de Buenos Aires, há mais de 20 anos já vinha nos alertando para este fato, e fez as seguintes observações em sua apostila “Ministério Didático da Igreja”:

• Não se tem uma idéia global do que deve ser transmitido;

• Não existe um programa definido de ensino;

• A improvisação semanal é o que se vê de mais freqüente, o que gera uma sucessão desconexa, indefinida e interminável de sermões, que visam obter o efeito imediato de uma boa reunião;

• Muito do que ensinamos é de conteúdo equivocado, pobre e incompleto;

• Em escolas dominicais, institutos bíblicos e seminários, os programas de estudo têm sido mais voltados para informação que para edificação, visando uma formação intelectual e acadêmica, e não uma formação de vida.

Dessa forma, a igreja vem produzindo duas classes de pessoas: os que são discípulos de Jesus e aqueles outros freqüentadores que não se comprometem intensamente com o evangelho, embora não abram mão de ir para o céu. Não estou dizendo que todas essas pessoas levam uma vida de pecado. Pode ser que alguns até tenham uma vida pecaminosa, sem integridade, com problemas de caráter. Mas a grande maioria apenas não se compromete, levando uma vida religiosa à sua própria maneira, sem estar ligada a ninguém e desenvolvendo sua “espiritualidade” na medida do possível.

Esta, porém, não era a expectativa de Jesus em seu ministério: de que as pessoas se limitassem apenas a ouvir os seus ensinamentos. Ele esperava que cada um praticasse as suas palavras (Mt 7.24) e que as ensinasse a outros para que as praticassem também (Mt 5.19; 28.20).

O que é ser discípulo de Jesus

Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações (Mt 28.19).

Ser discípulo de Jesus é fazer tudo “em nome de Jesus” (Cl 3.17), com autorização dele, em lugar dele, como se ele mesmo o fizesse. O discípulo de Jesus não é aquele capacitado a desenvolver uma série de atividades religiosas, como geralmente se pensa. Não temos um chamado para repetir tudo o que Jesus fez na Terra, mas para aprender com ele a viver a nossa própria vida. A questão não está no que eu faço, mas no como eu faço, incluindo tudo: as atividades religiosas e também as atividades gerais. Santificação não é largar o nosso trabalho, nossa escola ou nossa família para nos dedicarmos a uma vida de hábitos esquisitos.

Outra maneira de falar a mesma coisa seria dizer que estou aprendendo com Jesus a viver a minha vida como ele a viveria se fosse eu. Não quer dizer que devo aprender a fazer tudo o que ele fez, mas aprender a fazer tudo o que faço como ele fez tudo o que fez. Deus está interessado no que as pessoas fazem – seja fritar pastéis, dar aulas, vender automóveis ou fazer cirurgias. Nosso trabalho precisa ser feito como se o próprio Jesus o fizesse. Fazemos nosso trabalho de todo o coração, como para o Senhor, e não para os homens (Cl 3.23-24). Os ministros cristãos também estão incluídos nesta comissão para perguntar: o que Jesus faria se estivesse em meu lugar nesta hora?

O que fazer então?

Que mensagem deveríamos pregar que naturalmente levasse as pessoas a tomarem a decisão de se tornarem aprendizes de Jesus? Como conduzir a pessoa a uma fé integral, que abarca todos os aspectos de sua vida?

Os alicerces da nossa fé (transmitidos através da pregação de um evangelho genuíno) e uma conversão verdadeira representam a etapa principal de nossa vida espiritual, a porta para o reino de Deus. Não adianta ensinar moralismo cristão para quem não se converteu ainda. Se uma pessoa não é convertida ainda, devemos concentrar toda a nossa atenção em simplesmente pregar o evangelho para ela. Se ela se converter realmente, talvez precisemos ensinar muito pouco depois. Mas se não se converte, terão sido anos e anos de estudos bíblicos jogados fora.

Ainda citando “A Conspiração Divina”, possibilitar que uma pessoa se torne discípula de Jesus tem como base primordial a mudança de todo o conjunto de crenças e pressupostos que foram aprendidos em toda a sua vida e que dificultam a confiança em Jesus como Mestre do Universo. Gastamos muito tempo precioso querendo levar as pessoas a fazerem coisas que bons cristãos devem fazer, sem nos preocuparmos em mudar as suas crenças. A igreja se dedica essencialmente ao que pode ser chamado de manipulação de conduta, especialmente dos jovens, sem se concentrar em transformar os pensamentos daqueles que queremos influenciar e servir. As pessoas professam crer em coisas que, na realidade, não acreditam. O dever essencial de todo cristão responsável em fazer discípulos está em identificar, examinar, questionar e enfrentar estas crenças, mostrando até que ponto elas estão equivocadas ou erradas. O cristianismo trabalha essencialmente com pressupostos corretos, uma fé verdadeira que nos leva a uma entrega e confiança totais em Jesus.

Um bom programa para evangelização, que se preocupasse primeiramente em fornecer bases para a fé, que produzisse arrependimento e mudança de vida, deveria seguir o exemplo de Jesus com os discípulos em Lc 24.27: “E começando por Moisés, e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras” . Não era um evangelho simplificado ou superficial como temos muitas vezes hoje, mas uma explanação de fundamentos no Velho Testamento, mostrando a origem do abismo entre Deus e o homem, a necessidade do derramamento de sangue para expiação do pecado, a insuficiência das obras humanas para nos dar acesso à presença de Deus e o objetivo da nossa salvação. Sem uma decisão de seguir a Jesus nessa base, fica difícil passar para a etapa seguinte.

Dallas Willard diz que hoje, na igreja, entende-se como parte das “boas novas” o fato de a pessoa não precisar ser aluna convicta de Jesus para ser cristã e receber o perdão de seus pecados. Isso nos leva à expressão, corriqueira em nosso meio, “graça barata” (que poderia ser melhor definida como “infidelidade cara”).

Por esse motivo, na maioria dos cristãos falta mesmo a intenção de ser discípulo de Jesus. Se os cristãos fossem realmente discípulos de Jesus, aprendessem com Jesus a viver o seu dia-a-dia, haveria um impacto enorme na igreja e sociedade. A oração, o jejum, a leitura bíblica e outras atividades “religiosas” são importantes, mas não substituem a necessidade da decisão pessoal de ser aprendiz de Jesus, com o objetivo de agradar a Deus em todos os atos da vida e a aprender com ele a ser como ele. Embora o seguir a Jesus envolva o abandono de muitas coisas, ou mesmo de tudo que temos e somos, não é algo penoso nem causa tristeza para aqueles que foram realmente tocados pelo Mestre. Pelo contrário, consideram que fizeram um excelente negócio, pois estiveram há muito tempo à procura deste incalculável tesouro e não o trocariam por nada.

Ezequiel Netto é médico veterinário e reside atualmente em Campinas, com sua esposa Val e suas três filhas, onde estão procurando desenvolver em Deus e praticar o projeto de igreja nos lares. E-mail: [email protected]

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