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Comunidade Espiritual – Quando é e Quando Não É

Por Larry Crabb

Larry Crabb, autor bem conhecido de livros como O Silêncio de Adão, Sonhos Despedaçados e Conversa da Alma, exerce a função de psicoterapeuta há mais de trinta anos. Como um cirurgião especializado em diagnosticar e tratar doenças da alma, ele remove o paciente do seu ambiente natural e entra em recessos privados e vitais da vida do paciente, dificilmente vistos fora do consultório. São áreas problemáticas que todas as pessoas têm, mas que raramente recebem tratamento adequado.
Depois de refletir sobre a aflição humana durante todo esse tempo, Crabb chegou a uma conclusão surpreendente (para um psicólogo): a melhor forma de tratamento não é no consultório de psicoterapia. Os recursos dados por Deus para curar os diversos males do interior das pessoas estão dentro da própria comunidade cristã.
A seguir, alguns trechos adaptados de seus livros Conexão e O Lugar Mais Seguro da Terra.

Conexão

Tenho fortes razões para suspeitar que os cristãos que participam obedientemente das reuniões da igreja, para quem “ir à igreja” significa desenvolver uma variedade de atividades espirituais, têm em si recursos que, postos em ação, poderiam curar de modo miraculoso corações partidos, superar o dano causado por passados de violência, incentivar os deprimidos a avançar corajosamente, estimular os solitários a buscar amigos, revitalizar com energia nova e santa crianças e adolescentes abatidos e infundir esperança na vida de inúmeras pessoas que se sentem rejeitadas, sós e inúteis. Talvez “ir à igreja”, mais do que qualquer outra coisa, signifique relacionar-se com várias pessoas diferentemente. Talvez o objetivo principal da comunidade cristã seja conectar-se a algumas pessoas.

O segredo é entender que Deus colocou nutrientes espirituais específicos na vida de cada pessoa, algo mais poderoso do que tudo o que existe de mau no coração humano, mas que raramente é liberado. Para partilhar esses nutrientes uns com os outros, é preciso que ocorra um tipo especial de intercâmbio pessoal que chamo conexão. Muito mais profunda que o contato normalmente superficial e dissimulado que costumamos chamar “comunhão”, a conexão permite que um ser humano verta no outro algo que tem o poder de curar as feridas mais profundas da alma, restabelecendo-lhe a saúde.

Por que esse fenômeno ocorre tão raramente? Em primeiro lugar, porque não cremos nele e não refletimos muito sobre o assunto. Em segundo, porque as igrejas, em sua grande maioria, não são comunidades espirituais.

Uma Comunidade de Pessoas Aflitas

Paradoxalmente, uma comunidade espiritual é justamente aquela na qual as pessoas reconhecem sua condição de aflitos. Precisamos entender que aflição é uma condição, algo que está sempre ali, por debaixo da superfície, cuidadosamente escondida enquanto se tenta manter uma fachada de normalidade. Vivemos em aflição. Só que nem sempre a percebemos em nós mesmos ou nos outros. Além disso, preferimos estar emocionalmente intactos a aflitos. Isso nos leva a camuflar nossas aflições e a escondê-las, até de nós mesmos. Eis a razão de a comunidade espiritual ser tão rara.

Uma tarefa fundamental da comunidade é criar um lugar suficientemente seguro para que os muros sejam derrubados, para que cada um de nós reconheça e revele a sua própria aflição. Somente então a força da conexão pode realizar seu trabalho. Somente então a comunidade pode ser usada por Deus para curar nossa alma.

A comunidade espiritual é formada por pessoas que têm a integridade de abrir o coração. Tudo é invertido em relação à ordem do mundo. É nossa fraqueza, não nossa competência, que leva os outros adiante; nossos pesares, não nossas bênçãos, que derrubam as barreiras do medo e da vergonha que nos mantêm separados; as faltas que admitimos, não os sucessos que alardeamos, que nos unem na esperança.

Todos nós temos feridas. Se cada um de nós for impiedosamente sincero sobre o que acontece em nosso coração, isso nos levará à aflição. Numa comunidade espiritual, as pessoas não conversam meramente sobre as feridas e aflições. Elas se arriscam e expõem os detalhes, não para todos, mas ao menos para uma outra pessoa. Não é apenas uma questão de lamber nossas feridas, mas de buscar uma solução.

Fazer isso é apavorante. Parece um ato de imensa fraqueza, tão desnecessário, tão mórbido e severo. Pior, para muitos admitir a aflição significa admitir também um relacionamento sofrível com Deus. Muitas vezes, ouvimos dizer que a aflição é o caminho para um relacionamento mais profundo com Deus, mas raramente vemos exemplos disso. Às vezes, penso que queremos que os outros acreditem que conhecemos a Deus demonstrando o quanto somos firmes.

O impulso de não arriscar é forte. O ímpeto que temos de nos proteger, de manter nossas mágoas fora de vista para que ninguém possa piorá-las é o ímpeto mais forte em nosso coração. E assim permanecerá até que vivenciemos certo tipo de relacionamento, até que encontremos o Cristo crucificado e ressurrecto, até que conheçamos uma pessoa como Cristo, alguém aflito, mas belo, vulnerável e com o coração aberto.

O afago de uma alma viva que se derrama em puro amor é o que define a verdadeira conexão, que só acontece quando temos a confiança de que o repugnante e o conflituoso não vão pôr fim a um relacionamento, confiança que nasce de outra confiança ainda mais forte: o que há de mais profundo dentro de nós não é aflição, mas beleza, a verdadeira beleza de Cristo.

Enfrentando os Conflitos

Se ninguém se mostrar aflito o bastante para desfrutar do amor de Deus e partilhá-lo também, as nossas comunidades jamais se tornarão espirituais. Os conflitos inevitáveis que acabam eclodindo em todo relacionamento nos levarão a tomar direções não-espirituais, nos conduzirão a relacionamentos que dispensam o Espírito.

A comunidade espiritual depende de recursos espirituais e por uma boa razão. Todo relacionamento humano, especialmente aqueles em que os participantes desejam vivenciar uma profunda proximidade, depara com importantes conflitos. E simplesmente não há como superar o conflito e chegar à verdadeira conexão sem o poder divino. Não há como fazer isso sem dispor na alma de uma energia fornecida por Deus, uma energia mais forte e melhor do que a energia que já está ali alimentando o conflito.

As comunidades espirituais compreendem isso. Compreendem que a presença do conflito não define a comunidade espiritual, assim como a ausência de conflito não é prova de comunidade espiritual. A diferença entre comunidade espiritual e não-espiritual não está na existência ou não de conflitos, mas na nossa atitude diante deles e no nosso modo de lidar com eles. Quando os conflitos são vistos como uma oportunidade de aproveitar mais plenamente os recursos espirituais, então temos as potencialidades de uma comunidade espiritual.

O conflito está latente em todo relacionamento a cada momento. Ele simplesmente espera um estímulo para entrar em cena. As paixões egoístas, aquelas que quando liberadas geram conflitos, estão em todos nós, fervilhando debaixo da nossa casca de sociabilidade. Entre elas estão as tendências de não arriscar, de exigir conforto ou atenção, de se concentrar nas feridas abertas mais do que na oportunidade de se doar, de exigir uma plenitude imediata que Deus nem sempre concede.

Na comunidade espiritual, essas paixões se enfrentam pela aceitação de um amigo espiritual. Esse amigo as enxerga, detesta-as e pode até repreendê-las, quando se sente magoado por elas, e pode revelar isso em palavras. Contudo, ele vê, além da feiúra de todos aqueles motivos egoístas que geram conflitos, a absoluta bondade oculta ali debaixo, uma bondade que foi posta ali por Deus.

Numa comunidade não-espiritual, escondemos os conflitos atrás de sociabilidade. Recanalizamo-los e os transformamos em cooperação para bons projetos, nos quais ímpetos censuráveis se tornam zelo elogiável. Atenuamos a dor que sentimos por causa do conflito, lançando mão do consolo para torná-la menos aguda. Se o conflito for especialmente grave, resolvemos nossas questões pelo aconselhamento. Ou então deixamos que pressões conformadoras tentem conter esse nosso lado feio com renovados esforços para melhorar.

Porém, precisamos na verdade de amigos espirituais, pessoas aflitas que nos darão a segurança de ficar aflitos, pessoas interessadas que querem que vivamos bem e crêem que podemos viver bem, pessoas caridosas que põem dentro de nós a vida que receberam de Deus, pessoas de visão que enxergam o Espírito, modelando-nos à semelhança de Cristo. Sem elas concordamos em aceitar bem menos que isso.

Chega de imitarmos a verdadeira amizade espiritual e de fazermos substitutos da real orientação espiritual. Precisamos mergulhar no mundo incontrolável e confuso dos relacionamentos, admitir nosso fracasso, identificar nossas tensões, explorar nossas falhas. Precisamos nos transformar na resposta à oração de nosso Senhor, pois ele orou para que nos tornássemos um, como ele e o Pai são um.

Já é tempo de edificar a igreja, uma comunidade de pessoas que se refugiam em Deus e encorajam umas às outras a jamais fugirem em busca de outro socorro, uma comunidade de amigos que sabem que a única maneira de viver neste mundo é se dedicando à vida espiritual – a nossa vida com Deus e com os outros. Não será fácil, mas valerá a pena. Está em jogo o nosso impacto sobre o mundo.

Comunidade Espiritual: Comunidade Não-espiritual:
A presença de relacionamentos conflituosos é enfrentada com amizade espiritual (tratamento da alma) A presença de relacionamentos conflituosos é controlada por  relacionamentos cooperativos/ relacionamentos consoladores
e, se necessário, orientação espiritual (cura da alma) e, se necessário, relacionamentos aconselhadores ou relacionamentos conformadores
caracterizada pela dependência do Espírito
(ouvir Deus por meio da Palavra e do Espírito)
caracterizada pela confiança na carne (resolver as coisas com quaisquer meios disponíveis)

 

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