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Além Da Hospitalidade

Por Mateus Ferraz de Campos

Quando a adoração rompe o ritual, ela tem o poder de transformar ambientes. Vemos isso claramente na adoração da mulher pecadora narrada no evangelho de Lucas. O ambiente favorecia ou, até mesmo, exigia o ritual. Era a casa de um fariseu, um homem que vivia sua vida enclausurada por regras, rituais e cerimônias.

A casa de um fariseu era um ambiente impecável, onde tudo acontecia conforme o protocolo, sem exageros, extravagâncias ou interrupções irracionais. Imagino a casa de Simão uma casa bem arrumada. Imagino seus filhos impecavelmente vestidos, as prateleiras cheias de sinais de sua intensa religiosidade. Talvez a Torah exposta em algum ponto bem iluminado da casa. Enfim, um ambiente impressionante.

Nessa casa, minuciosamente organizada, surge uma figura perturbadora. Uma mulher pecadora. Não sabemos ao certo qual era o pecado dessa mulher. Os comentaristas bíblicos, em sua maioria, parecem concordar que o contexto favorece a idéia de que fosse uma prostituta ou, pelo menos, uma mulher de reputação duvidosa. Ela invade o cenário rigorosamente previsível da casa de Simão com postura e atitudes completamente imprevisíveis e perturbadoras.

A reação do fariseu é imediata. Em seu íntimo, ele pensa: “Como essa mulher entrou em minha casa dessa maneira? Como ela pôde interromper minha recepção? E Jesus? Ele parece gostar. Talvez não seja realmente um profeta! Talvez não tenha habilidade para discernir entre o santo e o profano!”

Jesus imediatamente interrompe seus pensamentos mostrando como aquela intromissão não somente era bem-vinda, como também um exemplo de como receber o Filho de Deus. Essa mulher foi apontada pelo próprio Cristo como sendo “aquela que muito amou”. Era uma representação viva do que Jesus esperava.

Mas por quê? O que houve de tão especial na adoração dessa simples mulher, cujo nome nem mesmo foi mencionado?

Creio que existem alguns elementos presentes nesse tipo de adoração que, de alguma forma ,causam uma comoção no coração de Deus.

Adoração Focalizada

Em primeiro lugar, era uma adoração focalizada. Imagine o que era para uma prostituta invadir a casa de um fariseu. Imagine todos os conflitos interiores que podem ter se instalado em seu coração antes de tomar uma atitude tão audaciosa. Se é difícil compreender essa sensação, imagine o que aconteceria se uma prostituta invadisse nossos tão bem organizados cultos de domingo à noite. Em muitos lugares, o escândalo seria estampado no rosto dos mais religiosos que não admitem interrupções profanas em seus “santos” cultos.

Mas essa mulher não se importa com os olhos ao seu redor. Ela só consegue visualizar uma pessoa: Jesus. Embora os olhares de censura estivessem sobre ela, ela só conseguia prestar atenção a um olhar específico: o olhar de satisfação de um Deus sendo adorado. É um momento singular. Uma conexão transcendental com Deus, em que tudo ao redor parece desvanecer diante da única necessidade de cumprir o propósito para o qual ela foi criada: adorar.

Será que conseguimos adorar assim? Será que é possível fazer desaparecer as cadeiras, as caixas de som, as pessoas ao redor, os olhares críticos, para ver somente Deus? Sim, é possível, desde que a primeira pessoa a desaparecer sejamos nós. Não é possível adorar pensando na ostentação da imagem pessoal. Não é possível convencer a Deus de que estamos olhando para ele, quando tudo converge para nós mesmos. Somente quando já não nos enxergamos mais é que podemos ver aquele que é invisível.

Adoração com Expressão

Em segundo lugar, era uma adoração com expressão. A crítica que Jesus faz ao fariseu é que ele não o havia recebido como qualquer judeu era recebido. Em um ambiente perfeitamente organizado, Simão havia se esquecido do cerimonial de boas vindas. Era de se esperar que Jesus tivesse seus pés lavados, seu rosto beijado e sua cabeça ungida com óleo.

Tudo isso fazia parte do protocolo. Era assim a recepção de um judeu. E Jesus está deixando claro para Simão: “O que você não fez sendo sua obrigação, essa mulher está fazendo por amor”. A água que Simão não ofereceu, veio das lágrimas daquela mulher. O beijo que não veio de Simão, veio pelo gesto humilde daquela mulher, e o óleo, longe de ser o óleo barato usado para receber qualquer um, era uma rara especiaria de valor inestimável.

É interessante que foi uma adoração silenciosa. Ela não disse uma palavra, mas cada elemento de sua adoração vinha de dentro de sua alma.

Deus não quer o comum. Ele não quer ser recebido de acordo com o protocolo. Não quer ser reduzido a um hóspede qualquer, para com quem cumprimos nossas obrigações por educação e respeito. Deus quer mais que respeito, ele quer amor. Deus quer mais do que música, vozes e cerimônias. Deseja mais do que uma casa arrumada, com cadeiras bem organizadas e vasos ornamentais. Ele quer sentir-se amado.

Não há nada de errado com a cerimônia em si. Observe que a mulher fez exatamente o que o cerimonial previa. Mas quando ela o fez, não foi simplesmente a repetição vazia de um procedimento costumeiro. O cerimonial encontrou significado no amor e o resultado foi adoração.

Adoração com Entrega

Em terceiro lugar, era uma adoração com entrega. O perfume derramado aos pés de Jesus, naquele dia, era de extremo valor. Do ponto de vista comercial, valia um dia de trabalho de um lavrador. Mas, muito além disso, era algo que atribuía valor à mulher. Talvez, ao exalar o perfume por onde passava, a fragrância ofuscava sua insignificância. Era quando ela deixava de ser uma mera prostituta para ser mulher.

E é exatamente o que lhe atribuía maior valor que ela despeja aos pés do Mestre. Para os críticos, não passava de um desperdício. Para os olhos que não viram a Deus, o melhor é sempre um desperdício. Mas, para quem o viu, o melhor nunca é suficiente. Nada pode ser mais vazio do que a oferta medíocre.

Ser medíocre, no sentido literal da palavra, não é de todo ruim. Ser medíocre é andar na média. É fazer o necessário e nada mais. É ser muitas vezes bom, simplesmente bom. A adoração que agrada a Deus vem do esgotamento de todo o ser, até que a alma esteja completamente derramada aos pés dele, e ainda assim permaneça a sensação de que faltou alguma coisa. Afinal, como posso eu imaginar que fiz o suficiente, quando olho para a cruz?

Adoração com Procedência

Finalmente, a adoração dessa mulher tinha uma procedência. Ela nascia de uma profunda convicção de necessidade. C. S. Lewis faz uma distinção entre o amor necessidade e o amor apreciação1. O amor necessidade, segundo Lewis, é aquele que surge da inevitável conclusão de dependência do ser amado. É, por exemplo, o amor da criança pela figura provedora da mãe. O amor apreciação é aquele amor desinteressado, que ama simplesmente pela essência do ser amado. Sua existência é o que o torna alvo de amor.

Gosto de pensar que a adoração é amor apreciação. É a contemplação de quem Deus é e o impulso de adorá-lo na beleza de sua santidade, independente do que ele faça por mim.

No entanto, não posso deixar de pensar que todo o amor apreciação nasce na necessidade. Só posso adorar a Deus pelo que ele é se tiver consciência da minha profunda necessidade de sua presença. A adoradora sem nome ficou conhecida como mulher pecadora. Alguém cuja adoração foi uma reação diante da percepção de sua necessidade de perdão. “Perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama” (Lc 7.47).

Enfim, essa é a adoração apontada por Jesus como sendo um referencial. Uma atitude tão impactante que transformou um ambiente frio e ritualístico em um espaço de genuína adoração. Creio que isso é o que deve acontecer em nossos cultos. Deixar a alma se derramar além do previsível. Permitir que aquilo que fazemos costumeiramente seja encharcado por nossas lágrimas. Quebrar nossos vasos e nossos referenciais de valorização pessoal para encontrar nosso valor na humilde postura de quem lava os pés de Deus. Precisamos esquecer de nossa imagem. Devemos deixar de tentar impressionar a Deus e passar a adorá-lo. O ser humano é tão egoísta que talvez a única coisa que possa realmente impressionar a Deus são os momentos em que ele é capaz de se prostrar.

Segundo Jesus, a adoração é assim. Não é apenas recebê-lo em casa. Não é apenas ser hospitaleiro à sua presença. O anfitrião nunca se ajoelha. Quem se ajoelha é o pecador. Grande parte das reuniões evangélicas são recepções a Deus. Talvez seja assim porque, no mais profundo de nossa alma, pensamos que os donos da casa somos nós. Iludimo-nos pensando que estamos oferecendo um jantar para Deus. Tentamos impressioná-lo com nossas liturgias previsíveis e inalteráveis. E nos preocupamos para que nada nos “atrapalhe” em nossos rituais.

Talvez devêssemos nos lembrar que o dono da casa é ele. E que fomos convidados por sua graça a entrarmos em sua comunhão.

1 Os Quatro Amores, C. S. Lewis.

Mateus Ferraz de Campos é um dos pastores da Igreja do Nazareno em Americana – SP.
E-mail: [email protected]

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