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À Procura de Alegria

Por Christopher Walker

C. S. Lewis foi um dos maiores pensadores e autores cristãos do século XX. Seus livros abrangem diversos gêneros literários e apelam tanto a crianças como a adultos. Com lucidez incomum, sem clichês ou fórmulas simplistas, ora escrevendo histórias em forma de parábola, ora utilizando-se de figuras imaginárias, ora indo ao fundo de questões filosóficas e existenciais que atribulam todas as mentes inquisitivas, seus livros continuam a influenciar profundamente leitores em todo o mundo.

Um dos seus livros menos conhecidos, talvez, chama-se Surpreendido pela Alegria (Ed. Mundo Cristão). Embora não seja, propriamente, uma autobiografia, é um relato da sua jornada interior até o encontro marcante com o Criador que mudou completamente o pensamento e visão deste talentoso professor de Oxford. Lewis compara sua vida antes da conversão a um jogo de xadrez, em que ele fazia tudo para continuar acreditando na inexistência de Deus, enquanto seu Adversário desfechava suas jogadas com extrema perícia e paciência até colocá-lo em xeque-mate.
Nessa época, eu vivia, como tantos ateístas e antiteístas, num redemoinho de contradições. Eu sustentava que Deus não existia. Ao mesmo tempo, muito me zangava com Deus por ele não existir. E também me zangava com Deus por ter ele criado o mundo.  Eu sempre quisera, acima de tudo, não sofrer ‘interferências’. Queria (desejo insensato) ‘chamar minha a minha alma.
Um dos fatores centrais da estratégia divina para conquistar Lewis foi um sentimento ou experiência que surgiu enquanto ainda era garoto e o acompanhou por toda sua vida. Era o que ele chamava de alegria.

Alegria… aqui é um termo técnico e precisa ser agudamente distinguido tanto de Felicidade quanto de Prazer. Alegria (no sentido que dou à palavra) tem de fato uma característica, e só uma, em comum com os outros dois termos: o fato de que qualquer pessoa que já a vivenciou vai querer novamente senti-la. Fora isso, e analisada apenas por essa característica, pode quase igualmente ser considerada uma espécie particular de infelicidade ou pesar. Só que é do tipo que queremos. Duvido que qualquer um que a tenha experimentado vá trocá-la por todos os prazeres do mundo, se as duas opções estiverem ao seu alcance. Mas a Alegria nunca está ao nosso alcance, ao contrário, freqüentemente, do prazer… A Alegria se distingue não só do prazer em geral, mas até do prazer estético. Precisa ter o aguilhão, a pontada, o anseio inconsolável. 

Primeiras Experiências com a Alegria

Seu primeiro encontro com a Alegria aconteceu quando estava, num dia de verão, ao lado de uma groselheira florida. De repente, surgiu nele, como se fosse uma lembrança de séculos atrás, a recordação de um jardim de brinquedo que seu irmão havia feito, quando criança, na tampa de uma lata de biscoitos, cobrindo-a de musgo e decorando-a com galhinhos e flores. Na época, este jardim em miniatura já havia despertado em Lewis a consciência de beleza e da natureza, muito mais do que se fosse um jardim de verdade, imprimindo-se em sua mente como uma visão do próprio Paraíso. Agora, porém, transformou- se em algo muito mais poderoso: era a sensação inundante da “enorme bem-aventurança do Éden”, algo de outra dimensão, outro mundo.

A sensação fora provocada por uma lembrança, mas a lembrança era apenas a porta para um outro mundo em que, de fato, ele nunca estivera. Era também uma sensação de desejo, mas de algo que não conseguia definir. Não, certamente, daquela tampa de lata, nem do momento do passado em si.

Antes, porém, que pudesse saber o que significava, o próprio desejo se desfez, todo o vislumbre se dissipou e o mundo voltou à normalidade, com uma diferença: havia nele agora uma agitação causada pelo anseio do anseio que acabara de sumir. Era como se tudo tivesse mudado em sua vida, deixando todos os acontecimentos e experiências anteriores em relativa insignificância.

Em muitas outras ocasiões, Lewis voltou a sentir as “fisgadas” deste sentimento, causadas pelos mais diversos estímulos ou situações: ora a leitura de um livro ou de certas poesias, ora a contemplação de luzes no céu, ora o som de uma música ou fenômenos da natureza. A característica comum era de um desejo não satisfeito que, paradoxalmente, tornava-se mais desejável que a própria satisfação.

Às vezes, períodos longos passavam em sua vida sem qualquer flechada da Alegria, em que parecia até ter se esquecido dela. Mas, de repente, sem premeditação ou busca, uma música ou leitura despertava dentro dele a lembrança e a ressuscitava novamente. Nestes momentos, era como se estivesse voltando do exílio ou de terras desérticas ao seu próprio país. Ao mesmo tempo, era um sentimento extremamente fugaz e difícil de capturar, pois no instante em que começava a pensar: “E isto…”, a sensação já havia sumido.

A Busca Frustrada

Por ser algo tão supremo, indescritível e envolvente, Lewis passou a buscar a experiência com mais intensidade e empenho. Seu maior propósito era tê-la outra vez. No entanto, quanto mais voltava ao mesmo caminho na Natureza ou ao mesmo texto ou música que despertara as sensações em ocasiões anteriores, quanto mais colocava seus sentidos de sentinela para observar aquele momento e tentar retê-lo quando viesse, mais parecia espantá-lo de sua vida. Por outro lado, quando se esquecia do assunto e deixava de buscá-lo conscientemente, aí é que voltava.

Uma das primeiras coisas que descobriu foi sobre aquilo que a Alegria não é. Através de seguir pistas falsas que o conduziam a prazer físico ou sexual, Lewis percebia nitidamente que não era para estas coisas que o anseio apontava. Esta conclusão, segundo ele, não era conseqüência de sentimento moral ou consciência do pecado. Nesta época, ele não cria em Deus, nem em qualquer padrão objetivo de certo ou errado. Sua frustração era simplesmente a irrelevância daquele prazer diante do que estava buscando. O cão de caça perdera o faro. A caça errada fora pega. 

Outra pista errada o levou ao campo da imaginação, da magia, do conhecimento oculto. Ao tentar descobrir os mistérios do universo que poucos ou ninguém já tivessem encontrado, ele teve novamente a mesma sensação: esta “solução mágica” era tão irrelevante à Alegria quanto o fora a solução sensual. Outra vez, o faro se enganava. Embora a descoberta de segredos ocultos lhe fosse extremamente interessante, era como se o verdadeiro Desejável lhe tivesse fugido; o verdadeiro Desejo, abandonado, lhe dizia: Que interesse posso ter nisso? 

Descobrindo os Erros

Foi aí que Lewis fez uma grande descoberta sobre a teoria de “Desfrute e Contemplação”, num ensaio filosófico de Samuel Alexander. De acordo com essa teoria, desfrute é o que ocorre durante a contemplação, que é focar a atenção num determinado objeto material ou abstrato. Desfrute aqui não implica necessariamente uma experiência prazerosa. Por exemplo, ao olhar para (ou contemplar) um precipício, você sente (desfruta, experimenta) medo; quando pensa na mãe que faleceu, sente tristeza; ou quando fala a respeito da festa do próximo sábado, enche-se de expectativa e felicidade.

O ponto fundamental é que somente é possível o desfrute quando a atenção é focada no objeto que gera aquela sensação. No momento em que a atenção é desviada do objeto (o precipício, o falecimento ou a festa) e centrada no sentimento que gerou, a sensação desaparece. Deixar de pensar no objeto que causa medo e concentrar-se no próprio medo interrompe o processo e traz alívio (daí a função dos psicólogos). A maneira mais segura de estragar um prazer seria começar a examinar sua satisfação.

Conclui-se, assim, que a introspecção é uma espécie de desvio, pois ao olharmos para dentro de nós mesmos para ver o que estava acontecendo, não achamos mais o que procurávamos. Não que a introspecção nada encontra, pois existem marcas ou rastros daquilo que estava se passando ali. O grande erro é confundir estas marcas com a realidade da experiência em si.

Com isso, Lewis viu que todas as suas esperas e vigílias à Alegria, todas as suas vãs esperanças de poder colocar o dedo em alguma coisa e afirmar “É isto aqui” tinham sido uma tentativa fútil de contemplar o sentimento, tirando sua atenção do verdadeiro objeto que o havia gerado. Ao buscar uma imagem, um som, uma visão, só conseguira ver o rastro mental deixado pela passagem da Alegria, não a onda, mas apenas a marca da onda na areia.

Na verdade, o grande erro não tinha sido trocar o verdadeiro objeto do desejo por prazeres sensuais ou mágicos. O erro maior era supor que o desejo despertado nele era pela própria Alegria. A Alegria em si, vista apenas como um evento em sua vida, de repente revelava-se como algo sem qualquer valor. Todo o valor residia naquilo pelo qual a Alegria ansiava. E por um processo de eliminação, ele concluiu que esse objeto não podia absolutamente ser um estado da sua mente ou do seu corpo. Tinha de ser algo totalmente objetivo, fora das dimensões dos sentidos, das necessidades biológicas ou das imaginações.

Com isto, faltavam apenas duas ou três “jogadas” (que o leitor pode conferir no livro) para o grande Mestre dar seu xeque- mate, e levá-lo a render-se diante de um Deus pessoal que era, este sim, o verdadeiro objeto do anseio que tivera durante grande parte de sua vida.

A partir da conversão, a experiência com Alegria já não o empolgava como antes. Não que tivesse desaparecido, pois as velhas punhaladas, com seu sentimento de doce amargor, continuaram com a mesma freqüência e agudez de antes. A diferença era que agora a experiência não era mais vista como alvo em si mesma, mas como indicador de algo distinto e exterior. Era como se antes estivesse perdido numa grande mata, e precisasse desesperadamente dos indicadores para mostrar a saída. Mas, depois de estar na estrada certa, os marcos não mais despertavam excessiva atenção ou interesse, apesar de ainda desempenharem um papel de animar e informá-lo na sua jornada a Jerusalém.

Aprendendo as Lições

O que podemos aprender de toda esta experiência? Muitos talvez pensem que não possuem este lado místico e que nunca tiveram semelhantes anseios que pudessem ser descritos como “flechadas” ou “lembranças de um outro mundo ou dimensão”. No entanto, se prestarmos atenção, veremos que Deus plantou no ser humano uma profunda saudade por algo apesar de nunca, de fato, o ter experimentado antes. Esta saudade ou anseio vem inicialmente camuflado de diversas formas. São as histórias românticas que nos fascinam, as imaginações, os sonhos utópicos, as belas fantasias que povoam a literatura e o folclore em toda parte do mundo.

Porém, de forma geral, o ser humano não percebe que todas essas coisas são reflexos da realidade, imagens distantes que servem apenas como lembrete daquela outra dimensão. Achamos que é a imagem que queremos, enquanto esta, como miragem, está sempre a nos evadir. Romantismo, música, estética, a natureza, o conhecimento – todos podem ser procurados como ídolos no lugar do verdadeiro objeto, quando deveriam funcionar apenas como placas para estimular a nossa busca. Precisamos todos de um Adversário hábil para superar nossa fuga e nossos engenhosos raciocínios e levar-nos ao xeque-mate.

Contudo, mesmo quando identificamos os falsos substitutos, há outros dois erros que Lewis aponta através da sua experiência. O primeiro é ver o anseio como uma experiência agradável e buscar a sensação no lugar do verdadeiro objeto. O segundo é tentar reproduzi-lo artificialmente. Queremos olhar para a luz, ao invés de permitir que a luz ilumine aquilo que é realmente importante.

E mais ou menos o mesmo processo que leva as pessoas a se viciarem em drogas, álcool ou hábitos que causam uma sensação deliciosa, mas que depois deixam a pessoa vazia e deprimida. Elas não compreendem a diferença entre o objeto e a sensação e acabam correndo atrás do efeito. Eliminado o verdadeiro objeto, que está fora de nós e fora do mundo material, o que nos resta? Um remoinho de imagens, uma sensação palpitante no diafragma, uma abstração momentânea.

Enquanto deixamos nosso anseio nos levar a Deus, algo genuíno e maravilhoso de fato acontece em nossa vida. Contemplar ao Senhor realmente nos leva a desfrutar experiências indescritíveis. Mais cedo ou mais tarde, porém, passamos a buscar, não a Deus, não a pessoa de Jesus, mas a experiência em si. Buscamos dons, efeitos, manifestações. O Espírito Santo é mais uma “viagem” do que uma Pessoa da Trindade. Transformou-se a religião num luxo auto-acariciante e o amor em auto-erotismo.

As igrejas estão cheias não só de pessoas que buscam privilégios, dádivas materiais, segurança e bem-estar, mas que também estão atrás de experiências gratificantes, sensações, bênçãos emocionais. Se não houver choro, emoções, empolgação, ficam frustradas porque o desejo de reencontrar o desejo não foi alcançado.

Tais sensações existem e podem ser produzidas pela presença de Deus, mas não deveriam ser nosso alvo. Não devemos ansiar pelo anseio, é o anseio que deve nos levar a buscar a Pessoa que é o único alvo verdadeiro. A partir do momento que compreendermos o que causa aquele profundo anseio interior, a experiência em si perderá sua grande importância, embora não desapareça. Pois, ao nos certificarmos que estamos no caminho certo, aproveitaremos as experiências para nos impulsionar mais rapidamente ao nosso alvo, mas não dependeremos delas para caminhar, obedecer ou conhecer mais a Deus.

Além disso, precisamos entender que a plena satisfação do anseio plantado por Deus só ocorrerá quando nos unirmos definitivamente com o Noivo. Até lá, haverá prenúncios e antegostos, dando-nos a certeza de que estamos buscando o alvo certo, mas o anseio continuará, por vezes mais forte do que antes. Se perdermos o anseio, é sinal de que saímos por um caminho muitíssimo perigoso, aquele em que o anseio pelo verdadeiro alvo foi substituído por um anseio inferior, facilmente satisfeito por objetos falsos e traiçoeiros, por efeitos e sensações, por gratificações temporárias.

Você tem um profundo anseio por algo indefinível e, até mesmo, inatingível em sua plenitude? Não foque sua atenção na experiência de senti-lo, por mais maravilhoso que seja. Permita que o impulsione com cada vez mais ardor e intensidade em direção ao verdadeiro alvo e que nada o impeça ou desvie dele! E nunca troque felicidade comum ou prazer natural pela autêntica alegria de manter a divina chama acesa!
Clive Staples Lewis (conhecido como “Jack”), nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1898; foi professor de Inglês e Literatura em Oxford e depois em Cambridge; converteu-se em 1931; escreveu as Crônicas de Nárnia entre 1950 e 1956; casou-se com Joy Gresham em 1956; Joy faleceu em 1960; ele faleceu em 22 de novembro de 1963, o mesmo dia em que John F. Kennedy foi assassinado.

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Céu e Inferno

De acordo com C. S. Lewis, no princípio de sua conversão não havia nenhuma preocupação com uma vida futura ou com a existência de um céu ou inferno. Veja o seu testemunho: Hoje relaciono entre minhas maiores graças o fato de ter podido por vários meses, talvez por todo um ano, conhecer a Deus e tentar obedecer-lhe sem sequer levantar essa questão… Há homens… bem melhores que eu que fizeram da imortalidade praticamente a doutrina central de sua religião; mas, quanto a mim, não vejo como a preocupação com tal questão logo no início deixe de corromper toda a doutrina… Eu temia que ameaças ou promessas me desmoralizassem… Devia-se obedecer a Deus simplesmente por ser ele Deus… Conhecer a Deus é saber que devemos obediência a ele. Em sua natureza, sua soberania de jure se revela… Ele detém o poder, o reino e a glória. Mas a soberania de jure me foi dada a conhecer antes do poder, o direito antes da força. E por isso sou grato. Acho que é bom, mesmo hoje, às vezes dizer a mim mesmo: “Deus é tal que, se (per impossibile) seu poder pudesse sumir, permanecendo os outros atributos, de forma que o supremo direito fosse para sempre removido do supremo poder, ainda assim deveríamos dedicar-lhe exatamente o mesmo tipo e grau de lealdade que dedicamos hoje”. Por outro lado… a compreensão disso deve, no final, levar-nos à conclusão de que a união com essa Natureza é bem-aventurança, e o isolamento dela, horror. Assim entram em cena o Céu e o Inferno. Mas também pode ser que pensar muito em qualquer dos dois, exceto nesse contexto de pensamento, atribuindo-lhes existência real como se tivessem significado essencial separado da presença ou da ausência de Deus, acabe corrompendo a doutrina de ambos, corrompendo-nos também enquanto sustentamos essa idéia. (Surpreendido Pela Alegria, pp.236,237).

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