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Série “Comunhão Nossa de Cada Dia”-Parte III – Da Solidão para a Koinocracia

Por: Pedro Arruda

Deus planejou a existência de toda a população humana a partir de um casal, multiplicando-a através das gerações. Ao invés de criá-la diretamente, preferiu contar com a participação do homem em seu projeto e, paralelamente, abrir o caminho para a encarnação de Jesus.

Assim sendo, a comunhão faz parte do plano de Deus com o homem, de forma absoluta, desde a missão dada a Adão, cujo cumprimento só poderia ser levado a efeito com ajuda de outra pessoa – no caso, Eva. O propósito era que esse casal fizesse tudo de acordo com a vontade de Deus, gerando filhos de igual caráter e fazendo com que a glória de Deus enchesse toda a Terra, de forma que a vontade dele prevalecesse sempre e em todos os lugares. A missão do homem era, e é, a implantação da vontade de Deus sobre a Terra, como ensinou Jesus: “Seja feita a tua vontade, assim na terra como [é feita] no céu” (Mt 6.10). Quando os homens interagem uns com os outros dentro da vontade de Deus, podemos chamar isso de comunhão.

Solidão Antes da Comunhão

Qualquer pessoa está sujeita a sofrer de solidão – ainda que esteja no meio de uma multidão. Relacionamentos significativos, mesmo que poucos, podem preencher uma parte dessa solidão, mas somente a comunhão consegue satisfazer plenamente, a ponto de a pessoa não se sentir mais solitária. Há um claro paralelo entre a solidão humana e a solidão de Deus. Para que o homem consiga compreender a solidão divina, Deus pode levá-lo por uma experiência pessoal e até aguda dela, especialmente quando ele procura manifestar-se através de um símile profético.

Vamos observar primeiramente a experiência de Adão. Mesmo tendo relacionamento com Deus, sentia-se solitário, pois não havia outra pessoa com quem pudesse compartilhar Deus. Isso ficou muito evidente quando deu nomes aos animais, tarefa que executou com perfeição, porém com a expectativa de encontrar esse alguém que viabilizasse o projeto de Deus através da comunhão. Somente depois que ele experimentou e reconheceu essa solidão foi que Deus lhe preencheu com Eva.

Podemos recorrer, igualmente, a Abraão, que experimentou a solidão ao deixar sua terra e, gradativamente, sua parentela, chegando ao extremo de se ver separado de seu próprio e único filho – e só depois desfrutar plenamente das bênçãos de Deus. Vemos o mesmo princípio com os profetas que, curiosamente, anunciavam uma mensagem de comunhão quando diziam que Deus ainda teria um povo para si e, no entanto, exerciam seu ministério da maneira mais solitária possível. Isso demonstra o kairós (tempo determinado, escatológico) de Deus. A solidão daria lugar à comunhão, conforme proposto inicialmente.

A Transição para a Nova Aliança

Se olharmos a Bíblia usando a perspectiva da história das relações entre Deus e os homens e dos homens entre si, considerando a alternância entre relacionamento e comunhão existente nos períodos anteriormente descritos (no artigo 2 desta série), a vinda do Espírito Santo ganha uma importância especial. Foi através dele que as condições se tornaram propícias para que os homens realizassem juntos a vontade de Deus, que é a base da comunhão. Assim considerando, a Nova Aliança começa a ser posta em prática, de fato, no dia de Pentecostes.

A condição existente no Velho Testamento persiste ainda nas primeiras páginas do Novo, tendo em João Batista um perfeito e último representante dessa velha classe profética. Como referimos, apesar de apresentarem uma mensagem que tratava da formação de uma coletividade, um povo para Deus, os profetas eram pessoas solitárias, pois representavam a solidão de Deus, aguardando a comunhão que haveria de vir. Normalmente o ministério deles era precedido por um chamamento dramático que lhes marcava definitivamente a alma. Eram solicitados a subir aos montes, descer aos vales ou à beira dos rios para, solitariamente, receberem a mensagem, que os impactava terrivelmente.

Jesus é, então, quem faz a ponte, encerrando o Velho e antecipando o que seria o Novo. Por um lado, no início do ministério dele, vemos a solidão típica do Velho Testamento quando, após ser batizado, ficou 40 dias e noites em jejum, sozinho no deserto. Por outro lado, a partir desse ponto, sempre vamos encontrá-lo no meio das pessoas, revelando Deus à procura de comunhão, à semelhança de Adão tentando encontrar sua companheira idônea.

Ninguém em bom juízo convidaria um profeta para uma festa, pois seria grande o risco de o convite não ser aceito ou, mesmo que o fosse, de que sua presença estragasse a festa, dado o humor desfavorável que tinha a esse tipo de evento. Jesus, no entanto, não somente aceita o convite, como ainda colabora com a festa transformando água em vinho. Já no final de seus dias, ele se interna numa casa de família em Betânia (entre suas idas a Jerusalém), cerra fileira em torno dos discípulos mais íntimos e abre o coração a eles, vivendo o lava-pés, a última ceia, a angústia do Getsêmani e a prisão. Suas últimas horas, especialmente depois da separação de Judas Iscariotes, são de uma intimidade divina sem precedentes, conforme nos relata João nos capítulos 13 a 17 de seu evangelho. Digno de atenção especial é o capítulo 17, no qual Jesus nos revela em detalhes o que é a comunhão e como Deus a deseja, encerrando com essa nota o ministério que começara solitariamente.

Antes de partir, Jesus alerta que o trabalho não está acabado, pois o que ele fez foi preparar as condições para a próxima etapa. Era preciso que ele fosse embora para que o Consolador viesse. O que Deus prometera através dos séculos pelos profetas estava prestes a acontecer: o momento de receber a Promessa do Pai, o que de fato aconteceu no dia de Pentecostes.

Dessa forma, o ministério de Jesus deu lugar ao ministério do Espírito Santo, que é o provimento da comunhão: “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2 Co 13.13). O ministério (serviço a Deus) foi transformado de solitário em solidário.

Ao invés de marcar um encontro solitário e individual no alto de uma montanha, num deserto, num vale ou à beira de um rio, Deus escolhe a efervescente capital do país para visitar não apenas uma pessoa, mas um grupo de 120 pessoas, aproximadamente, experiência que, em seguida, transbordou para outros milhares. O que era promessa agora passou a realidade.

A partir desse momento, a solidão dá lugar à comunidade. Não se vêem mais pessoas se isolando para longos períodos de retiro ou jejum, mas apenas para breves intervalos, voltando logo a retomar o convívio. Ao invés de montanhas, vales ou rios, os lugares para se encontrar com Deus agora são as casas, praças, ruas e estradas. Sob o ministério do Espírito, o novo modelo era não fazer as coisas sozinhos, mas sempre juntos! A solidão passou a ser exceção, reduzida a pequenos períodos, em secreto no quarto, ou a breves vigílias.

O Governo Proposto por Deus: Koinocracia

O universo inanimado é governado por Deus através de leis naturais e impessoais. Muitos pensam que é a esse tipo de teocracia que os homens serão submetidos na eternidade. No entanto o governo que Deus propôs para o homem é revestido de pessoalidade, em que cada um tem seu próprio nome e função a desempenhar. Com certeza a eternidade não será um tédio infindável, pois Deus pretende compartilhar seu governo com o homem, especialmente no que se refere a governar outros homens e até mesmo a julgar os anjos (1 Co 6.1-3). Portanto seria muito mais adequado chamar essa forma de governo compartilhado de koinocracia, o governo da comunhão.

A verdadeira igreja deve antecipar esse governo, vivendo como corpo cuja cabeça é Cristo. Temos exemplo disso no livro de Atos dos Apóstolos, em que as decisões levavam duas assinaturas conjuntas: “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At 15.28). Isso é um prelúdio, pois os salvos hão de se assentar no trono para governar com Cristo (1 Co 6.2; Ap 3.21), na condição de herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.17). Deus, em sua soberania, propôs compartilhar o governo de seu reino, e isso será feito através de comunhão. Para que esse governo comece a ser viabilizado desde já, precisamos conhecer e praticar a vontade de Deus juntos. Assim como a salvação é uma realidade imediata que se concretizará em plenitude após a ressurreição, da mesma forma o governo de Deus por meio da igreja pode ser experimentado por antecipação agora, ainda que sua plena implantação só se dê posteriormente.

Portanto a comunhão é para ser experimentada desde já, embora se tenha que aguardar para o futuro a sua plenitude. Devemos considerar que se Deus não abre mão do homem para implantar seu governo, é evidente que ele espera o mesmo de nós, ou seja, que não desprezemos as pessoas. Não são poucas as vezes em que sentimos que se fizéssemos sozinhos faríamos melhor e mais rápido, mas nada há que nos autorize a passar por cima dos outros para fazer a obra de Deus, já que o próprio Deus não a considera mais importante que as pessoas. Precisamos de muita longanimidade do Espírito para ter a paciência necessária.

Essa prática deve começar pela liderança da igreja. Se a comunhão é uma questão central da igreja, a liderança plural é indispensável, exercida através de homens radicalmente comprometidos com a vontade de Deus, de maneira absoluta e prioritária. Sem essa liderança plural, não há como esperar que a igreja pratique a comunhão, pois nesse tipo de ensinamento não reproduzimos o que falamos e, sim, o que somos.

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